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       UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA
           FACULDADE DE COMUNICAÇÃO

          COMUNICAÇÃO SOCIAL – JORNALISMO




            FERNANDO SOUSA DUARTE




JOVENS DA PERIFERIA DE SALVADOR: OS BONDES




                      Salvador
                       2010
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            FERNANDO SOUSA DUARTE




JOVENS DA PERIFERIA DE SALVADOR: OS BONDES




                         Trabalho de Conclusão de Curso
                         apresentado como requisito parcial da
                         graduação de Comunicação Social –
                         Habilitação em Jornalismo – da
                         Faculdade    de    Comunicação     da
                         Universidade Federal da Bahia.

                         Orientadora: Profª. Dra. Maria Lucineide
                         Andrade Fontes (Malu Fontes)




                    Salvador
                     2010
3



                                             RESUMO

        Este trabalho tenta apresentar um fenômeno da juventude urbana contemporânea que
se autodenomina bonde ou família e envolve jovens de 14 a 24 anos com origem nas
periferias dos grandes centros urbanos e, no caso específico dessa monografia, da cidade de
Salvador. Esses novos agrupamentos sociais juvenis nascem através de ferramentas de
comunicação disponíveis na internet, como sites de redes sociais e programas de comunicação
instantânea, e deslocam-se das zonas periféricas das cidades para os shopping centers, espaços
público-privados que concentram os desejos de consumo de grande parte da população e que
funcionam como limites entre as classes e entre espaços de sociabilidade dos diversos estratos
sociais. “A periferia no shopping: internet e deslocamentos juvenis urbanos” busca apresentar
e entender um pouco sobre conceitos de sociologia, por Bauman, de tribos urbanas, por
Maffesoli, de adolescência, por Calligaris, além das noções de deslocamento no espaço
urbano de grupos da periferia encontradas através da pesquisa empírica do autor.

          Palavras-chave: juventude, periferia, internet, deslocamento urbano, sociabilidade
juvenil
4



                            SUMÁRIO



1. INTRODUÇÃO                                               05

2.1 CAPÍTULO 1 - COMPORTAMENTO           JOVEM:   ESTIGMAS, 08
CATEGORIZAÇÕES E FRAGMENTAÇÕES

2.2 A REPRESENTAÇÃO SOCIAL DO JOVEM                         10

2.3 JUVENTUDE BRASILEIRA, PERIFERIA E VIOLÊNCIA             18

3.1 CAPÍTULO 2 - PAPÉIS E REPRESENTAÇÕES DA JUVENTUDE 21
CONTEMPORÂNEA

3.2 A CONFIGURAÇÃO DA SOCIABILIDADE NAS REDES SOCIAIS       25

3.3 SOCIABILIDADE E FRONTEIRAS DE CIRCULAÇÃO                27

3.4 GALERAS, GANGUES, EQUIPES E BONDES                      31

3.5 INTERNET E AMPLIAÇÕES DOS DESLOCAMENTOS NO ESPAÇO 34
URBANO
4. CAPÍTULO TRÊS - JOVENS DA PERIFERIA DE SALVADOR: OS 40
BONDES

5. CONCLUSÃO                                                48

6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS                               51
5



1. INTRODUÇÃO




Este trabalho de conclusão de curso de Comunicação Social com habilitação em jornalismo
busca apresentar um fenômeno social urbano recente da juventude, autodenominado como
bondes juvenis. Trata-se do agrupamento de jovens entre 14 e 24 anos em “bondes” ou
“famílias” que tensiona as fronteiras de sociabilidade e amplia o espaço de convivência,
utilizando a internet como suporte para a formação de vínculos. Esses grupos se apropriam da
nomenclatura do funk carioca para indicar sua identidade e compartilham, além de interesses
comuns, hábitos de vestir e falar, que garantem a unidade – mesmo que disforme – desses
agrupamentos1. E, conforme limitações sócio-econômicas são impostas, esses jovens utilizam
alternativas para interagir e exercer o papel social que lhes são conferidos pelo restante da
população.

A atual geração de jovens é bem distinta daquela geração de 1968, com alto grau de
politização enquanto produtores e consumidores de cultura. A juventude atual está inserida
num contexto completamente diverso daquele vivenciado por seus pais e pelas gerações
precedentes. Temas considerados tabus em outros momentos pela sociedade brasileira – e
mundial – atualmente fazem parte da rotina de crianças, adolescentes, jovens e adultos.

Obviamente, é negativa a hipótese de que podemos classificar os jovens em categorizações
estanques. Educadores observam que não há limites específicos ou ritos de passagem que
possam identificar em que instante a criança passa a ser adolescente, que passa a ser jovem e
depois atinge a idade adulta. Em alguns casos, percebem-se elementos da cultura jovem desde
o final da infância, estendendo-se até muito tempo após alguns marcos para a maioridade,
objeto de pesquisas da área de psicologia, os chamados adultescentes, ou no inglês kidult.2

É válido ressaltar que, mesmo que seja inviável delimitar uma faixa específica para
classificação “jovem”, em estudos antropológicos e sociais é fundamental a identificação de
quem são os personagens desses estudos. Em linhas gerais, tratam-se de pessoas que



1
  Apesar da apropriação de termos do funk carioca, os integrantes dos bondes optam pelos termos sem o
conhecimento prévio ou reflexão sobre a etmologia das palavras. Para compreender o universo temático e
conceitual do funk carioca, ver VIANNA, HERMANO (1997).
2
  “Para psicanalistas, são as chamadas crises da idade madura. (...) Serve para definir uma pessoa adulta que
mantém um estilo de vida próprio de adolescente” (IWANCOW, 2009).
6



compartilham valores específicos, interesses comuns e que constroem movimentos culturais
com características semelhantes entre si.

Assim, percebemos a importância da sociabilidade como elemento fundamental para
construção identitária do jovem enquanto indivíduo e enquanto ser coletivo. Dividir locais
públicos, participar de festas e movimentos religiosos, estudantis, etc. já não são o suficiente
para uma juventude cercada por limites impostos pela sociedade ou com a ausência de limites
estabelecidos pelas figuras parentais. Como estratégia para manutenção de elementos comuns,
os jovens buscam então novas alternativas para socialização, principalmente utilizando os
recursos tecnológicos disponíveis à geração.

O aumento da violência urbana e as incertezas e inseguranças de pais e educadores restringe
potencialmente os locais em que tradicionalmente ocorrem encontros e eventos da juventude.
Sem os espaços tradicionais, a internet passa a ser uma janela para o conhecimento e também
para a sociabilidade. Atrelado ainda ao surgimento de grandes redes sociais e à internet
colaborativa, jovens de diferentes classes sócio-econômicas compartilham valores e
informações acerca de gostos comuns como músicas, cinema, etc.

O limite da segregação social torna-se tênue com a “democratização” do acesso à rede
mundial de computadores e o espaço virtual passa a ser apenas o início de um jogo de
disputas e construções da identidade juvenil. A fronteira entre o virtual e o real é rompida e,
em pouco tempo, percebemos a manifestação de agrupamentos juvenis surgidos na web em
ambientes reais.

Parte desses grupos, como fãs-clubes, por exemplo, não apresentam características que
poderiam ser consideradas desvios da norma social vigente. Entretanto, outros são claramente
identificados com quebras de condutas e regras comportamentais, tornando-os objeto de
repulsa para o restante da sociedade – fenômeno identificado desde os primeiros instantes em
que a juventude passou a ser visualizada como uma categoria social, ainda no final do século
XIX. Nesse contexto, poderíamos incluir as torcidas organizadas e, muito recentemente, o
aparecimento de bondes ou famílias de jovens – o real objeto de estudo do presente trabalho.
Tais agrupamentos não possuem um fim específico, porém seus integrantes passam a
construir identidades coletivas que servem para auto-afirmação enquanto jovens e atores
sociais.

Os dados da pesquisa foram coletados empiricamente, uma opção do autor e também como
resultado de uma série de dificuldades, entre elas a raridade de referências a esse fenômeno
7



social nos veículos de imprensa de Salvador. Através das administrações centrais, os pontos
de encontros dos bondes, os shopping centers, se esquivam de prestar quaisquer tipo de
esclarecimento sobre a existência desses agrupamentos ou a ação dos aglomerados dentro dos
estabelecimentos. Mesmo com a interferência da orientadora do trabalho, com solicitação
formal de acesso ao shopping para realização de pesquisa acadêmica, foi impossível abordar
os integrantes dos bondes dentro das dependências dos centros comerciais, o que limitou
consideravelmente o acesso aos garotos e garotas. Algumas informações foram coletadas
através de conversas entre o autor e integrantes dos bondes utilizando a ferramenta de
comunicação instantânea gratuita disponível na internet MSN Messenger.

O trabalho está dividido em três capítulos. No primeiro capítulo serão apresentados conceitos
gerais de juventude e como essa categoria, mesmo fragmentada, é utilizada para definir o
escopo dessa monografia – mesmo que não haja a possibilidade de congregar os objetos de
estudo numa única categoria estanque. O capítulo dois marca o debate sobre sociabilidade
juvenil, quando o conceito de tribos urbanas, proposto por Maffesoli é fundamental para que
se entenda qualquer fenômeno de agrupamento social juvenil, além da utilização da teoria dos
papéis para identificar como funciona a construção da identidade dos jovens e as
representações sociais por eles vividas. O capítulo três irá apresentar o fenômeno social em si,
com as características dos bondes, suas relações com a periferia e os centros de consumo e o
funcionamento dos próprios grupos e as estratégias de sociabilidade encontradas pelos
integrantes para quebrar os paradigmas da classe social a que pertencem, do endereço em que
moram e do agrupamento que fazem parte.

O trabalho tenta também entender os usos que agrupamentos juvenis fazem das ferramentas
de comunicação disponíveis na internet e as estratégias para sociabilidade a partir desses
recursos, permitindo que a barreira do virtual para o real seja transposta e o fenômeno surgido
na web possa ser observado em espaços públicos/ privados.
8



2.1  CAPÍTULO   1   -  COMPORTAMENTO                               JOVEM:         ESTIGMAS,
CATEGORIZAÇÕES E FRAGMENTAÇÕES



O conceito de juventude enquanto classificação etária existia antes de se tornar público alvo
das campanhas de marketing do pós-guerra na década de 1950, com as primeiras ações
publicitárias a ela destinadas. Entretanto, foi a febre por fenômenos dos ídolos do cinema
como James Dean que se tornaram os primeiros objetos de estudo de acadêmicos. Hoje
existem pesquisas que indicam que o conceito de juventude começou a ser desenhado no final
do século XIX. Mas que jovens são esses que, mesmo tão díspares, podem ser reunidos como
uma categoria social que divide interesses comuns?

Abordar a evolução histórica das ideias de juventude é essencial para se compreender o objeto
de estudo do atual trabalho. Sem entender como funciona a lógica dos pesquisados é
impossível discernir quem é quem numa sociedade que, para qualquer tentativa de esboçar
suas características, depende da teoria dos papéis, uma incorporação das pesquisas na área de
psicologia e que será utilizada na análise deste trabalho. Trata-se da incorporação de
determinadas posturas em relação à sociedade que geram uma representação social do
indivíduo, permitindo que este indivíduo seja reconhecido como integrante de um
determinado círculo, assumindo um papel social a que se propôs ou foi designado.
Rocheblave-Spenlé (In Nascimento, 2005, p. 34) resume uma definição abrangente desses
papéis como “modelo organizado de condutas relativo a uma certa posição do indivíduo num
conjunto interacional”.

Falar de papéis não se trata apenas da utilização do termo como num ato de dramaturgia, mas
de papéis sociais como papéis sexuais, de família, de idade, profissionais e de classes sociais.
Esse conceito é importante para que se perceba que muitos dos jovens que são aqui analisados
tentam participar de alguma maneira dos contextos sócio-econômicos a que foram rejeitados
ou até mesmo excluídos por questões aquém de sua capacidade cognitiva. No momento
apropriado, esse viés voltará a ser analisado.

Ser jovem no século XXI é um desafio semelhante ao ser jovem no final do século XIX e
início do século XX. O conceito de família – representado pela presença de pai, mãe e filho –
foi esvaziado e pode ser facilmente questionado com a forte presença da mulher como
provedora da família, excluída a imagem do pai da formação desse núcleo ou ainda com a
presença ausente de pais e mães numa realidade econômica que exige que as figuras adultas
9



que irão determinar a formação da criança ausentem-se durante muito tempo de casa,
transferindo a responsabilidade da educação e da condução da criança para outrem. Em suas
pesquisas Nascimento (2005) observou uma constante entre os adolescentes pesquisados:

                       Eles lutam contra estes limites [dos pais] mas, às vezes, desejam ficar
                       aliviados da responsabilidade de decidir quais são os riscos que devem
                       correr, até onde podem seguir o grupo, até onde podem se aventurar no
                       terreno sexual. A complacência dos pais e sua facilidade para ceder são,
                       muitas vezes, interpretadas como falta de interesse (NASCIMENTO, 2005,
                       p. 69).
Ainda que as figuras parentais estejam presentes, a ausência de imposição de limites é
questionada como um exemplo de falta de preocupação e comprometimento dos adultos: “o
adolescente perde (ou, para crescer, renuncia) a segurança do amor que era garantido à
criança, sem ganhar em troca outra forma de reconhecimento” (CALLIGARIS, 2000, p. 24).

Há um processo altamente dinâmico para se discutir independência e autonomia desses jovens
em relação aos pais. A autoridade parental, antes responsável pelo provimento de recursos e
pela imposição de limites restritivos, está sendo reconfigurada dia a dia e a participação dela
varia de acordo com os contextos em que estão inseridos esses jovens. Apesar da busca pelo
lugar social e pelo papel social a que estão designados, os adolescentes/ jovens são
subordinados – por questões econômicas, sociais, etc. – a aceitar o embate entre as gerações:

                       A dinâmica entre autonomia e heteronomia presente na socialização familiar
                       impõe que se faça a distinção entre duas dimensões do processo de
                       individualização: a independência (auto-suficiência econômica) e a
                       autonomia (autodeterminação pessoal) (BRANDÃO In ALMEIDA E
                       EUGENIO, 2006, p. 84).


Percebe-se que muitos desses jovens se consideram autônomos para tomar suas próprias
decisões sobre os riscos que devem correr, mas continuam dependentes economicamente dos
pais. Pedrazzzini (2006, p. 100) acertadamente levanta uma hipótese que justifica porque, ao
mesmo tempo em que há uma determinada liberdade para os jovens, há um medo constante
dos pais: “Constatamos um enfraquecimento das defesas tradicionais do sistema social, como
os valores de solidariedade e os laços comunitários, já relativizados pelas sociabilidades
contemporâneas”.

Em resumo, a discussão que inclui violência urbana, degradação social e o medo do “outro”
está sempre presente quando se fala da juventude atual. Novas configurações de sociabilidade
atendem à demanda desses jovens por participar do mundo.
10



                       A adolescência é um período de grande interesse pelo mundo. O adolescente
                       quer ganhar as ruas. Quer conhecer lugares estranhos, saber como vivem as
                       outras pessoas. Quer se expandir e quer participar (KEHL, 2008, p. 49).


É uma época de transição. Não se sabe qual papel social esse indivíduo deve ter. Há o
interesse em experimentar novas sensações, experimentar o próprio corpo, porém os limites
sociais impostos impedem que tudo isso seja vivido plenamente por eles:

                       Articulando a crise ao conflito de papéis, apontam as contradições entre o
                       papel da criança, ainda não de todo perdido, e o de adulto, não de todo
                       acessível. As indefinições colocam o jovem numa situação análoga à do
                       “homem marginal” (NASCIMENTO, 2005, p. 44)


Após alguns anos vivendo como crianças, sendo treinados e moldados dentro dos certames da
sociedade em que estão inseridos, esses indivíduos são agora jovens que se colocam como
aptos a ingressar na vida adulta, porém o reconhecimento enquanto adultos é postergado,
mesmo com a maturação física e sexual. Segundo Calligaris (2000, p.16), “uma vez
transferidos os valores mais básicos, há um tempo de suspensão entre a chegada à maturação
dos corpos e a autorização de realizar os ditos valores”. A partir dessa imposição social do
papel de idade a que cabe ao adolescente, a rebeldia e o questionamento é um processo
natural. Se eles estão aptos a passar para a vida adulta, por que não são reconhecidos como
tal?




2.2 A REPRESENTAÇÃO SOCIAL DO JOVEM




O estudo inaugural sobre cultura adolescente foi publicado em 1904, quando G. Stanley Hall
publicou o livro Adolescence que propunha o estudo dessa classe social como uma classe que
compartilhava interesses e problemas comuns. Daquele ano até os dias atuais, foram diversos
os trabalhos que contemplavam os adolescentes como objeto de estudo, porém a presença
desse agrupamento pode ser observada anteriormente à publicação do livro de Hall.

                       Desde o último quartel do século XIX houve muitas tentativas conflitantes
                       de imaginar e definir o status do jovem – fosse mediante esforços
                       combinados para arregimentar adolescentes usando políticas nacionais, fosse
                       a partir de visões proféticas, artísticas, que refletiam o desejo dos jovens de
                       viverem segundo suas próprias regras. A narrativa [do livro] começa em
11



                       1875, com os escritos autobiográficos de Marie Bashkirtseff e Jesse
                       Pomeroy, e termina em 1945; durante esse período, cada um dos temas agora
                       associados ao teenager [grifo do autor] moderno teve um precedente vívido
                       e volátil (SAVAGE, 2010, p. 11).


Esses temas associados aos teenagers ou adolescentes discutidos por Savage (2010) no
período que vai de 1875 a 1945, podem ser facilmente transportados para as realidades dos
jovens atuais e é praticamente impossível não traçar paralelos entre os garotos delinquentes
norte-americanos da década de 1920 com os atuais integrantes de agrupamentos juvenis que
se reúnem para atos de rebeldia, violência e vandalismo. Gângsteres do Brooklin nova-
iorquino nos anos da Lei Seca americana aliciavam menores assim como os chefes do tráfico
de drogas nos grandes centros urbanos brasileiros arregimentam crianças e adolescentes para
realizar trabalhos que, no caso de crianças e jovens, teriam como consequência uma pena
mais branda caso sejam interceptados por organismos de fiscalização.

                       Apanhada entre a exploração e a condenação, entre o prazer e o puritanismo,
                       a geração da década de 1920 foi vítima precoce das atitudes contraditórias de
                       seu país [EUA]. A juventude era um tema volátil para um experimento de
                       massa não comprovado. Sob a imagem picante, pagã, pluralista do sheik e da
                       sheba [grifos do autor], havia impulsos selvagens, indomados: o preconceito
                       e as violentas iniciações nas fraternidades universitárias, o dano físico
                       causado pelas bebidas contrabandeadas, a violência do gatilho ágil de jovens
                       gângsteres competindo pelo controle do vasto mercado ilegal de bebidas
                       alcólicas (SAVAGE, 2010, p. 234).


Jovens sem perspectiva de futuro e mobilidade social – principalmente ascensão – tornam-se
objetos de análise de sociólogos no período entre guerras (1918 – 1939) e o resultado indica
que a problemática da época exigia a formação de grupos para sobrevivência, alguns com
origem dentro do Estado e outros por confluência de interesses, receios e dificuldades. Savage
(2010) relata em seu estudo sobre os pré-conceitos de juventude que grupos como Hooligans
(Inglaterra), Boy Scouts (Estados Unidos) e Wandervogel (Alemanha) são exemplos de como
os jovens foram organizados para sobreviver aos percalços de um mundo abalado pela
ameaçada de guerra e as estratégias de sociabilidade utilizadas por líderes desses grupos para
a manutenção dos integrantes.

Novaes (In Almeida e Eugenio, 2006) discute que jovens com idades similares vivem
juventudes diferentes, a depender de fatores como desigualdade social, gênero e raça. Ela cita
ainda que, no caso do Brasil, o fator “endereço” é determinante para indicar para a sociedade
quem é o indivíduo que está sendo avaliado. A questão da mobilidade social, antes obtida pela
12



educação, hoje já não determinante para o sonho juvenil do emprego. A educação deixa de ser
uma garantia de futuro e passa a ser apenas um passaporte para o futuro. São disparidades
como o acesso à educação que servem de parâmetro para que os jovens agrupem-se de acordo
com os interesses comuns.

Os conceitos da pesquisa de Savage são fundamentais para entender aquilo que pode ser visto
hoje entre jovens já houve precedentes similares ou que permitem traçar linhas comparativas,
mostrando que a juventude enquanto classe social, além de não ser estanque, não pode ser
delimitada apenas a partir da fundação do termo teenager na década de 1940 pelos
americanos. Ela é anterior aos movimentos culturais da década de 1950 e dificilmente pode
ser dissociada dos contextos sócio-econômicos e culturais a que os jovens estão inseridos.

Citando Novaes (In Almeida e Eugenio, 2006), “lembrar que „juventude‟ é um conceito
construído histórica e culturalmente já é lugar comum”. Devemos partir de diálogos com
segmentos da pesquisa como a sociologia, a antropologia e a psicologia para ampliar a
discussão e delimitar qual o escopo de trabalho do objeto em análise. Em classificações
gerais, podem ser considerados jovens aqueles nascidos há 14 ou 24 anos, por vezes
dependentes economicamente de seus progenitores e que ainda não constituíram família.
Porém limites rígidos já não são mais aceitos por organizações de saúde nem por pesquisas
antropológicas e sociais. A idade de 14 anos era antes considerada como marco para o início
da adolescência, e agora as crianças entram nessa fase da vida antes do 14º aniversário. O
próprio conceito de adolescência perdeu sua força nas fases iniciais, sendo substituído pela
nomenclatura de pré-adolescentes, começando em alguns casos desde os 10 anos e
estendendo-se até os 15, a depender da exposição do indivíduo a informações cujas
classificações etárias anteriores sugeriam para outras faixas de idade. Vejamos o exemplo
citado por Nascimento (2006), em que a autora apresenta algumas justificativas para a
evolução da discussão sobre temas considerados tabus e que hoje fazem parte do dia-a-dia de
menores de 14 anos, como o sexo:

                       (...) tem se falado muito na erotização da infância, responsabilizando a
                       televisão pela precocidade com que meninas saltam etapas e assumem papéis
                       adultos sem passar pela puberdade, se apaixonam, fazem dietas para
                       emagrecer, desprezam brincadeiras e aprendem danças sensuais
                       (NASCIMENTO, 2006, p. 193).


O hábito de consumo da televisão e de outros veículos de comunicação como a internet
permite que crianças tenham contato cada vez mais cedo com temas polêmicos e de difícil
13



abordagem para pais e adultos – os mesmos pais que encontram-se cada vez mais ausentes no
dia-a-dia dos filhos. A precocidade da inclusão de determinados temas no repertório pode,
inclusive, ser responsável pelo precoce amadurecimento físico de meninas e meninas – a
menarca, a primeira ejaculação e a primeira „transa‟ acontecem cada vez mais cedo.

Antes considerados como crianças, os pré-adolescentes entre 10 e 12 anos perdem
aceleradamente o interesse por brincadeiras e costumes infantis e se inserem num mundo
„adolescente‟ e até „adulto‟. Cada vez mais cedo, o sentimento da infância para alguns adultos
já não existe em filhos e netos. A “pureza” e a “inocência” deram lugar a um boom de
informações diversas sobre violência, sexo, saúde, etc. Em março de 2009, uma pequena
cidade do interior do Rio Grande do Sul, Ibirubá, foi testemunha do efeito devastador da
sexualidade precoce de uma menina de 11 anos com outros três garotos, um com 13 e os
outros com 14 anos. Um vídeo da aventura dos adolescentes foi publicado na internet e a
família da garota foi obrigada a mudar de cidade para preservar o futuro da criança.3

Para grande parte desses jovens, esses momentos iniciais da adolescência são o período mais
complexo da formação identitária e que exigem a busca constante por parâmetros de
comparação com seus pares e também com os adultos. Calligaris (2000) levanta claramente as
interrogações existentes na mente adolescente:

                          O pensamento é mais ou menos o seguinte: “Os adultos querem coisas
                          contraditórias. Eles pedem uma moratória de minha autonomia, mas o
                          resultado de minha aceitação é que eles não me amam mais como uma
                          criança, nem reconhecem como um par esta „coisa‟ na qual eu me
                          transformei. Talvez, para ganhar seu amor e seu reconhecimento, eu não
                          deva então seguir a risca suas indicações e seus pedidos, mas descobrir qual
                          é de fato o desejo deles, atrás do que dizem que querem. Em suma: de fato (e
                          não só em uma das suas recomendações pedagógicas), qual é o ideal dos
                          adultos, para que eu possa presenteá-los com isso e portanto ser por eles
                          enfim amado e reconhecido como adulto?” (CALLIGARIS, 2000, p.26).


Para fins jurídicos, existem dois exemplos citados como parâmetros para identificação de
crianças, adolescentes e jovens por pesquisadores. O Estatuto da Criança e do Adolescente
brasileiro, aprovado em 1990, delimita diferenças etárias entre crianças – até os 12 anos – e
adolescentes – entre 12 e 18 anos -, enquanto a Organização das Nações Unidas (ONU) não
traz essa distinção. Para o órgão internacional, existe apenas a classificação “jovens”, que
compreende os indivíduos entre 15 e 24 anos, faixa considerada também por instituições de

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 Disponível em
http://zerohora.clicrbs.com.br/zerohora/jsp/default.jsp?newsID=a2443409.htm&tab=00014&uf=1, acessado em
02 de maio de 2010.
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pesquisa brasileiras como o Ibope e Ipsos/ Marplan (IWANCOW, 2009). Mesmo que existam
tentativas de delimitar critérios básicos para a classificação da juventude, Iwancow (2009)
resume bem essa dificuldade:

                       (...) cabe-nos destacar que, em nenhum lugar, em nenhum momento da
                       história, a juventude poderia ser definida segundo critérios exclusivamente
                       biológicos ou jurídicos. Sempre e em todos os lugares, ela é investida de
                       outros símbolos e outros valores (IWANCOW, 2009).


Não há ritos de passagem definidos entre essas faixas etárias. Para muitos adultos, existe a
constante preocupação sobre quais as portas – quais as opções – que os filhos escolherão ao
deixar a infância. Kehl (2008) cita alguns exemplos de como as escolhas podem acontecer:

                       São muitas as portas, e todas apontam apenas para um tempo de incertezas.
                       A vida adulta, o que é? Temos medo de que nossos filhos entrem pela porta
                       errada. Pela porta das drogas, por exemplo. Quem não sabe que fumar um
                       baseado com os amigos é um dos grandes ritos de passagem da infância para
                       a adolescência. Rito que pode ser bem inocente, aliás, a depender do
                       contexto que o cerca (KEHL, 2008, p. 48).


Para serem reconhecidos, seja como adolescentes, seja como adultos, os jovens incorporam
atitudes e ações copiadas de seus pares ou de outros personagens que são identificados como
ícones. Não se trata da busca pelo papel de herói ideal, mas da busca por um papel que seja
reconhecido socialmente entre os outros jovens e entre os adultos. Ao compartilhar gostos e
interesses, esses jovens podem ser identificados no meio de uma multidão uniforme a que
julgam pertencer. Para serem diferenciados, optam pela participação em agrupamentos e
associações que garantem uma identidade própria e que facilmente pode ser identificada. São
as chamadas tribos, objeto do próximo capítulo.

Sobre paralelos entre situações atuais e situações passadas, é interessante retomar Savage
(2010) ao citar um trecho do livro Middletown de Robert S. Lynd e Helen Merrell Lynd:

                       “Depois dos 12 ou 13 anos, o lugar ocupado pela família tende a recuar
                       diante de uma combinação de outras influências formativas, até que, antes
                       dos vinte anos, a criança é considerada uma espécie de adulto júnior, cada
                       vez mais independente da autoridade dos pais” (SAVAGE, 2010, p.255).


O livro citado foi publicado em 1929 e ainda hoje se percebe a atualidade do tema que tratou.
Essas comparações permitem observar que os problemas enfrentados por jovens de outras
décadas e de outros contextos podem ser facilmente atualizados para os dias atuais. Ainda que
estas situações sejam consideradas cíclicas, é válido avaliar que quando os contextos sócio-
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econômicos passam a ter certa equivalência, muito provavelmente os fenômenos envolvendo
as classes sociais voltam a acontecer.

As diferenciações exigidas pela sociedade fazem dos adolescentes e jovens um público
potencial para a indústria da moda, responsável por elencar aquilo que “é preciso” ou “é
necessário” para que sejam inseridas nos seus grupos. Assim, o surgimento de galeras foi
estudado ao longo do último século e na primeira década do século XXI, há uma emergência
do fenômeno dos bondes a que esse trabalho se dedica. Nascimento (2005) traz o relato da
pesquisa psicossocial realizada na Universidade Federal da Bahia acerca da formação de
subculturas juvenis:

                        A busca por diferenciação que, assim como a busca de igualdade, faz parte
                        do processo de aquisição de uma identidade, culmina na criação de
                        subculturas com características peculiares. A elas os adolescentes expressam
                        fidelidade, ajudam-se a seus costumes, chegando às vezes a um hiper
                        conformismo – traduzido como inconformismo – que pode produzir
                        conflitos com os pais (NASCIMENTO, 2005, p. 91).


O conflito de gerações é sempre indicado como motivador para a construção do modelo de
adolescente/ jovem rebelde. Os interesses divergentes e as condutas adversas ao que esperam
os adultos fazem com que o choque entre pais e filhos funcione como uma alavanca
impulsionadora das atitudes e ações dos jovens. Alguns desses pais, inclusive utilizam suas
próprias experiências frustradas do passado para impor limites aos filhos. “O adolescente
acaba eventualmente atuando, realizando um ideal que é mesmo algum desejo reprimido do
adulto”, indica Calligaris (2000, p. 27). Continuando, Calligaris apresenta o fato de que esse
desejo foi reprimido pelo adulto numa tentativa de esquecê-lo, por isso há o conflito quando o
adolescente reativa esse desejo.

Outra vez, há um retorno à eterna vontade do adolescente/ jovem de ingressar definitivamente
no mundo adulto. Esse movimento, observado nas ações e nas atitudes cada vez mais
precoces, terá reflexos diretos no consumo e nas ações desses quase adultos. Os desejos de
consumo também servirão, então, como motivadores desse público potencial:

                        O que é próprio ao desejo moderno é que, atrás de cada objeto desejado,
                        sempre há um desejo de algo mais, de uma qualidade diferente: uma vontade
                        de reconhecimento social – a qual nunca se esgota no objeto. Em outras
                        palavras, o que é desejado é sempre instrumental para afirmar e constituir
                        nosso lugar social (CALLIGARIS, 2000, p. 47).
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Em suas pesquisas Nascimento (2005, p.67) observa que “muitos adolescentes tendem a
reagir quando são tratados como crianças e agem infantilmente quando lhe são cobradas
atitudes de adultos responsáveis”. Esse momento de transição é utilizado não apenas para
justificar as atitudes rebeldes, mas para questionar quem são esses adolescentes e que papéis
eles exercem em seus contextos sociais. Numa interessante analogia com o hábito de escutar
música, Calligaris (2000, p. 53) comenta o objetivo geral dos adolescentes: “O adolescente
oscila entre as caixas de som e viver de fone de ouvido. O recado é claro: ou te ensurdeço ou
não te ouço”.

Os ritos de passagem, que nunca foram claramente definidos, são substituídos pelas atitudes
performativas dos jovens agrupados no que Pais (In Almeida e Eugenio, 2006, p.7) chamou
de ilhas de dissidências. Esses grupos são, na verdade, uma forma de resistência à cultura
imposta pela sociedade, mas que, na verdade, são diferentes instrumentalizações dos aspectos
culturais explicitados pelos diversos suportes de comunicação. Observe o exemplo inicial da
monografia com os filmes de James Dean. Mesmo hoje, adolescentes e adultos compartilham
ídolos e ícones de idolatria, ainda que os adultos lutem para negar que compartilham essa
atitude:

                       (...) a imitação e a idolatria são formas básicas da socialização moderna;
                       valem para adultos tanto como para adolescentes. No mais, trata-se, nessa
                       crítica irônica, apenas do embate entre, digamos, estilistas como Prada e
                       Giorgio Armani contra Tommy Hilfiger. Ou então de um ator como
                       Leonardo DiCaprio contra Robert De Niro (CALLIGARIS, 2000, p. 52).


O que Pais (In Almeida e Eugenio, 2006) chama de culturas performativas pode ser
exemplificada através de movimentos musicais como o hip-hop e o rap, a cultura urbana do
grafite e os esportes radicais. “Frequentemente o excesso traduz-se na superação de um limite
visto como caminho de saída de um sistema cerrado (espaço estriado)”, refere-se Pais (In
Almeida e Eugenio, 2006, p.14) ao caminho dos esportes radicais. Superar os limites impostos
pela sociedade é uma das metas e o principal projeto da maioria dos jovens.

Não existe então uma forma única de ser jovem. As maneiras podem variar de acordo com as
realidades sócio-econômicas em que estão inseridos, com a localização espacial ou até mesmo
com a inserção digital a que estão expostos. Ou seja, não há como indicar um modelo – e até
mesmo alguns modelos – que sirva de base para os jovens. Alguns deles interpretam os
modismos e se apropriam deles de maneiras diferentes, com representações sociais diferentes,
mas que compartilham algumas características em comum. A partir de uma única apropriação
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cultural, diferentes agrupamentos de jovens podem manifestar-se socialmente de maneiras
distintas.

                       Assim, há várias maneiras de “ser jovem”, como também “ser velho”, sem
                       esquecer que essas próprias classificações não são dadas, e sim fenômenos
                       socioculturais. No caso de nossa sociedade, apenas para exemplificar, basta
                       pensar nas nebulosas fronteiras entre infância e adolescência, adolescência e
                       juventude, juventude e maturidade, maturidade e velhice. Todas essas
                       categorias e sua duração são discutíveis e sujeitas a constantes revisões,
                       redefinições e reinterpretações (VELHO In ALMEIDA E EUGENIO, 2006,
                       p. 194).



Com a impossibilidade de delimitar quando começa e quando termina a adolescência por
questões biológicas e jurídicas, cabe o reconhecimento dessa fase da vida como uma
construção sócio-cultural, que varia de acordo com os contextos em que estão inseridos esses
jovens. Para participar do contexto a que espera, os adolescentes buscam reconhecer-se como
um adulto, talvez um desejo primordial, enquanto que parte dos adultos prefira estender essa
fase transitória da vida. Na verdade, esse segundo fenômeno foi identificado muito
recentemente e carece de mais referenciais bibliográficos. Iwancow (2009) apresenta os
adultescentes – em inglês, kidults - como uma parcela do público consumidor que prolonga os
hábitos adolescentes pela vida adulta e passam a se comportar como tais:

                       Os adultescentes são reflexos de como a prática cotidiana cria novos grupos
                       e compõem novas redes e sociabilidades, numa livre associação de valores,
                       atitudes e comportamentos que originam ações táticas, aproveitando com
                       habilidade as ocasiões de introduzir as novas maneiras de agir e de fazer, na
                       busca de estilos de vida expressivos e livres (IWANCOW, 2009, p. 7).
O final é tão difícil de ser delimitado quanto o início. Essa dificuldade advém da extensão do
período de estudos, principalmente com as exigências de mercado por um profissional cada
vez mais qualificado, que contribui para a manutenção dos jovens na casa dos pais até o
término dos cursos de pós-graduação, mestrado e doutorado, em contraposição a antigas
gerações, em que após o final da graduação os jovens passavam da dependência econômica
dos pais para constituir família, utilizando o jargão popular “sair da asa dos pais”. A
competitividade para inserção no mercado de trabalho exige a necessidade de constante
atualização, além de altos níveis de especialização, como requisito básico para conquista de
espaço no mercado de trabalho.

                       Ainda assim, a condição juvenil – como etapa da vida que se situa entre a
                       proteção socialmente exigida para a infância e a emancipação esperada na
                       vida adulta – tem suas especificidades. Isso porque a experiência geracional
                       é inédita, já que a juventude é vivenciada em diferentes contextos históricos,
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                        e a história não se repete. Desta forma, para pensar a condição juvenil
                        contemporânea, devemos que considerar a rapidez e as características das
                        mudanças no mundo de hoje (NOVAES In ALMEIDA E EUGENIO, 2006
                        p. 119).


Utilizar categorizações estanques sobre qual juventude é essa que está sendo discutida é tarefa
ilógica. Como afirma Knauth e Gonçalves:

                        Quem poderá resumir a juventude somente como um estado de rebeldia, de
                        agitação, paixão, flexibilidade, incertezas, crescimento? Se o fizer, estará
                        relegando outros modos de defini-la e vivê-la que são visíveis nas ruas, nas
                        casas e nas escolas (KNAUTH E GONÇALVES In ALMEIDA E
                        EUGENIO, 2006 p. 94).


Ou nas palavras de Almeida e Tracy:

                        Admitimos, porém, que o próprio conceito de juventude é de difícil
                        definição, porque um dos aspectos mais característicos da
                        contemporaneidade é justamente a disseminação de um “estilo de vida”
                        jovem, para além das fronteiras etárias (ALMEIDA E TRACY, 2003, p. 21)


Ou seja, qualquer tentativa de categorizar a juventude apenas como uma classe etária é uma
tarefa sem sentido que nem mesmo pesquisadores da área de ciências sociais optam por fazê-
lo. A ideia de juventude deve ser encarada como se fosse uma categoria que varia de acordo
com as características e a cultura da sociedade em que está inserida.




2.3 JUVENTUDE BRASILEIRA, PERIFERIA E VIOLÊNCIA




A juventude brasileira tem passado por transformações similares aos fenômenos enfrentados
pelas classes juvenis em todo o mundo, o que permite traçar paralelos todo o tempo sobre os
problemas e as dificuldades enfrentadas por eles. Apesar de não terem vivenciado um período
entre guerras como em outros países – e um pós-guerra de grande repercussão dentro do
território nacional – algumas centenas de jovens viveram o horror da repressão na ditadura
militar e se organizaram em agrupamentos como uma maneira de resistir a ela – mesmo que
de maneira secreta.
19



Apesar de não conviver com o fantasma da repressão hoje, os jovens brasileiros compartilham
uma grande quantidade de medos com os jovens do mundo todo, como o medo do
desemprego e o medo da morte, por exemplo. As expectativas de inserção no mercado de
trabalho é um dos principais geradores de conflitos entre as gerações segundo Novaes (In
Almeida e Eugenio, 2006, p. 109): “hoje, nas relações familiares, a incerteza quanto à
inserção no mundo do trabalho tem um peso semelhante ao que a questão sexual, sobretudo
para as mulheres, teve nas gerações passadas”. Para a pesquisadora, esse medo soma-se a
outros tantos preconizados pelo espaço das grandes cidades:

                        Em várias pesquisas, quando se pergunta aos jovens sobre os dois maiores
                        problemas do país, eles mencionam “desemprego” e “violência”. Essas
                        respostas permitem compreender um pouco mais os jovens de hoje: entre os
                        medos citados por eles, aparecem em destaque o “medo da morte” e o “medo
                        do futuro”. No medo do futuro se expressam os sentimentos de uma geração
                        que se defronta com um mercado de trabalho restritivo e mutante (NOVAES
                        In ALMEIDA E EUGENIO, 2006, p. 110).


Esses medos foram transportados para as relações sociais, que se constroem com grande
influência dessas situações. O medo da violência exige que os lugares frequentados sejam
cada vez mais seguros – ou, ao menos, pareçam ser mais seguros – e espaços de convivência
ficam reduzidos a um pequeno leque de opções. O endereço – como será visto posteriormente
– será um diferencial preponderante para uma contratação e até mesmo para os ambientes que
a sociedade “autoriza” que o jovem participe.

Novaes (In Almeida e Eugenio, 2006) faz ainda uma distinção interessante entre dois tipos de
jovens, muito comuns no cotidiano das grandes cidades, os “jovens de projeto” e os “jovens
de periferia”. Apesar de não serem categorias totalmente excludentes, pode-se afirmar que há
um tratamento diferenciado a depender de qual delas o jovem está inserido. Principalmente no
relacionamento com categorias sócio-econômicas com poder aquisitivo mais alto que o do
círculo social dos jovens. Mas essas categorias são, sobretudo, demarcadores de uma
identidade esperada, ou de um horizonte de expectativa criado pelo restante da sociedade em
relação aos jovens que residem nos bairros considerados periféricos.

Os “jovens de projeto” são aqueles que foram beneficiados por algum projeto social e que de
alguma forma ampliaram as opções de inserção no mercado de trabalho, seja através de cursos
profissionalizantes ou de uma melhoria na qualidade da educação, através de ações de
inclusão digital ou através do esporte, etc.. Esse critério serve para diferenciar jovens dentro
20



de um mesmo contexto social que, segundo a autora, pode ser observado quando há a
necessidade de escolha entre os termos para identificar o local de residência:

                        (...) pesquisas demonstram que os jovens de áreas pobres e violentas do Rio
                        de Janeiro têm suas próprias estratégias de usar (ou não) as palavras “favela”
                        e “comunidade” com interlocutores diferentes. Em certas ocasiões, frente ao
                        poder público ou a organismos não-governamentais, falam que são da
                        “favela tal”. (...) Em outras situações, frente a outros interlocutores, os
                        jovens se referem ao lugar onde moram como “comunidade”, apontam para
                        o estigma da palavra “favela” e utilizam um código de classificações
                        próprios das redes de “trabalho comunitário” (NOVAES In ALMEIDA E
                        EUGENIO, 2006, p.112).


Já os “jovens da periferia” têm o estigma do espaço onde moram como determinante para a
classificação identitária. A palavra periferia não se refere apenas ao espaço geográfico a que
estão inseridos. Refere-se à identidade construída ao longo dos anos, com efeitos nos estilos,
estéticos, vínculos sociais e laços afetivos (Novaes In Almeida e Eugenio, 2006). Esses jovens
incorporam elementos da cultura do hip hop – questionadora dos valores e das normas sociais
vigentes em sua essência – e utilizam no cotidiano, em alguns casos com relacionamentos
estreitos com o crime organizado e o tráfico de drogas. Entre outros elementos, o hip hop
agrega o rap (música), o break (dança) e o grafite (artes plásticas) como características
essenciais. “O hip hop pode ser pensado como um movimento de expressão cultural que
produz efeitos políticos”, afirma Novaes (Novaes In Almeida e Eugenio, 2006, p. 117).

Essas expressões culturais dos “jovens da periferia” terão impacto direto nas relações sociais
por ele construídas e nos espaços de sociabilidade por eles selecionados para existirem
enquanto seres sociais. A marca identitária fica tão fortalecida que permite que agrupamentos
juvenis incorporem seus elementos e façam uma utilização diferenciada, ainda que tenha o
mesmo objetivo da apresentação desse jovem como um ser social. Trata-se da apropriação de
elementos de uma cultura marginal que possui reflexos diretos no reconhecimento daqueles
indivíduos como um agrupamento e, por consequência, na identificação das características
dele, como será visto nos garotos e garotas que formam os bondes juvenis – detalhados no
capítulo três.
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3.1   CAPÍTULO        2     -   PAPÉIS      E   REPRESENTAÇÕES             DA     JUVENTUDE
CONTEMPORÂNEA




Para falar sobre sociabilidade juvenil é importante citar a obra de Maffesoli (2006) sobre a
sociedade das tribos. O conceito inaugurado pelo autor remete a sociabilidade juvenil à ideia
de tribos primitivas e permite que sejam percebidas algumas diferenças fundamentais entre os
agrupamentos sociais e, nesse caso específico, os agrupamentos sociais juvenis. Segundo o
autor, ao compartilhar interesses, indumentárias, vocabulários, etc. os jovens sentem-se parte
de um grupo e dividem de alguma forma as tarefas e as estruturas hierárquicas de uma tribo
indígena, por exemplo. Ainda assim, o conceito de tribo exigiu as adaptações necessárias e o
autor passou a classificar as tribos urbanas como neotribalismo que “é caracterizado pela
fluidez, pelos ajuntamentos pontuais e pela dispersão” (MAFFESOLI, 2006, p.132).

As práticas e rituais específicos, assim como as reflexões que esses jovens fazem do seu
cotidiano, fazem parte, portanto, de uma estratégia de autodefesa para enfrentar as
dificuldades do dia-a-dia. É certo que ao observar que seus pares reagem de maneira similar
ou que compartilham as mesmas experiências de disputa por território e por atenção,
facilmente esses jovens incorporam-se a esses agrupamentos. Talvez seja a diferença entre a
moral imposta pela sociedade e pela figura parental e a moral partilhada e construída por
semelhantes é que desperte nos jovens essa necessidade do ideal de estar-junto.

                          A confiança que se estabelece entre os membros do grupo se exprime por
                          rituais, de signos de reconhecimento específicos, que não têm outro fim
                          senão o de fortalecer o pequeno grupo contra o grande grupo. Sempre esse
                          duplo movimento formulado supra; da criptolalia erudita ao “verlan”
                          (linguagem al reves) de nossos malandros, o mecanismo é idêntico: a
                          partilha secreta do afeto, ao mesmo tempo em que confirma os laços
                          próximos, permite resistir às tentativas de uniformização (MAFFESOLI,
                          2006, p. 159).


A noção de pertença é essencial para esses jovens e fazer parte de algo, tomar partido de uma
causa, os fazem sentir-se mais próximos da concepção que eles têm de “ser adulto”. Ao
mesmo tempo em que não é permitido ser criança, não é permitido que eles adentrem no
mundo dos adultos. O resultado disso é que o limbo a que estão destinados os adolescentes é
um ambiente hostil e quase sempre desvinculado dos limites parentais. Ao participar de um
grupo, o adolescente/ jovem nega a existência de alguns valores que são impostos pela
22



sociedade e gera seus próprios valores, criando uma cultura própria, muitas vezes considerada
marginal.

                       Movidos pela necessidade de consolidar no grupo a ideia de pertencimento,
                       as turmas de jovens “organizam-se” com objetivo de deixar marcas
                       territoriais. Essa necessidade de “registro social” no mapa “oficial” é que vai
                       ensejar entre as galeras a mobilização de práticas de violência (DIÓGENES,
                       2008, p. 105).


Então, é preciso retomar a teoria dos papéis, citada no começo do capítulo um dessa
monografia. Apresentada pela psicologia social, essa teoria vai justificar o porquê desses
jovens se comportarem de uma forma pré-elaborada – talvez até mesmo previsível. Os
adolescentes/ jovens estão numa etapa da vida em que os papéis sociais de gênero e idade
estão indefinidos, ou melhor dizendo, estão numa fase de descobertas constantes e de
frustrações na mesma frequência. Para que aconteça a sociabilidade, tratada por Maffesoli
como socialidade, é importante que se perceba a importância dos papéis sociais de cada
indivíduo:

                       A pessoa (persona) representa papéis, tanto dentro de sua atividade
                       profissional quanto no seio das diversas tribos de que participa. Mudando o
                       seu figurino, ela vai, de acordo com seus gostos (sexuais, culturais,
                       religiosos, amicais) assumir o seu lugar, a cada dia, nas diversas peças do
                       theatrum mundi [grifos do autor] (MAFFESOLI, 2006, p. 133).


Ou seja, semelhante a um espetáculo teatral, cada um interpreta um personagem – ou diversos
personagens – para integrar o contexto em que está inserido. Essa ideia corrobora com a
noção de representação social que identifica que um determinado indivíduo possui uma
representação construída a partir do papel que ele desempenha no círculo social. A
sobrevivência exige que esses papéis não apenas sejam construídos, mas que sejam mantidos,
pelo menos nos instantes em que o indivíduo está participando desse ou daquele determinado
grupo. A fluidez do neotribalismo citada por Maffesoli é a convenção teórica para identificar
que os hábitos e maneiras de agir são adaptadas de acordo com o momento e com o grupo que
está representando naquele espaço. Outros autores corroboram com o conceito de tribo
proposto por Maffesoli:

                       Tribo evoca o “primitivo” e designa grupos concretos com ênfase não em
                       seu tamanho mas nos elementos que seus integrantes usam para estabelecer
                       diferenças com o comportamento normal: os cortes de cabelos e tatuagens de
                       punks, carecas, a cor da roupa dos darks e assim por diante (MAGNANI In
                       DIÓGENES, 2008, p. 57).
23



Ao apropriar-se de padrões comportamentais pré-existentes, os jovens acreditam que “as
coisas sempre foram assim, devem continuar sendo assim”, como identifica Nascimento
(2005, p. 35). Entretanto, ao assumir um determinado papel já estabelecido ou ao adotar um
script pré-determinado, esse jovem corre o risco de perder suas características pessoais,
reduzindo-se “a um mero intérprete de um texto decorado” (NASCIMENTO, 2005, p. 36).

                       As turmas de jovens, embora busquem formas de expressão estética
                       referendadas no consumo de massa, são os atores sociais que mais parecem
                       expressar diferenças, tendo por base a noção compactuada de território e a
                       construção de códigos culturais compartilhados apenas entre os
                       “enturmados” (DIÓGENES, 2008, p. 57).


O conteúdo dessas interpretações de papéis varia de acordo com o contexto em que estão
inseridos. Por vezes, há a presença marcante de estereótipos nos meios de comunicação, com
destaque à TV, que consegue massificar – ou ao menos amplificar – uma determinada moda
ou conceito. Ao desempenhar um determinado papel social, um indivíduo o integra à sua
personalidade, permitindo que sejam feitas análises do lugar social que ele ocupa. Alguns
autores, cita Nascimento (2005), indicam que a personalidade não incorpora os papéis
interpretados pelos indivíduos. Outros, porém, acreditam que a personalidade nada mais é do
que o produto dos papéis sociais desenvolvidos. Essa discussão não compete ao presente
trabalho, porém é válido salientar que existem diversas vertentes para análise da teoria dos
papéis.

Na verdade, o que os jovens buscam é, sob uma ótica mais simples, pertencer a algum grupo
ou se inserir num contexto que permita que eles sejam reconhecidos como seres sociais
capazes de se relacionar com os outros. Ser alguém com os outros e ser alguém como os
outros. Ao interpretar papéis, os indivíduos admitem as regras de conduta especificadas pelos
agrupamentos a que fazem – ou gostariam de fazer – parte. E esses grupos são, na verdade, a
reunião das expectativas compartilhadas por esses indivíduos, mesmo que não haja algum tipo
de formalidade no agrupamento:

                       Grupos formais e informais são frequentemente constituídos pelas
                       expectativas que lançam sobre seus integrantes. Ao fazê-lo, excluem quem
                       eles presumem não viver segundo tais requisitos. Quando esses hiatos de
                       compreensão se instalam entre os grupos, costumam ser preenchidos por
                       suposições estereotípicas. Assim, é possível afirmar que o fato de podermos
                       nos ajustar às condições de atuação no interior do grupo limita nossa
                       liberdade, ao nos impedir de realizar experiências pobremente mapeadas e
                       imprevistas, encontradas para além dos limites do grupo (BAUMAN, 2010,
                       p. 37).
24




O embate entre liberdade individual e desejo coletivo citado por Bauman (2010) é o mesmo
levantado pelos autores comentados por Nascimento (2005). Ao reafirmar a existência do
agrupamento e assumir os papéis por ele exigidos, os indivíduos negam características
pessoais – ou ao menos as omitem – caso não haja a permissão para mantê-las. Por isso,
observa-se que existe a necessidade da interpretação de vários papéis distintos, a depender do
contexto e do grupo a que se deseja pertencer. Esse desejo nada mais é do que a própria
representação humana enquanto ser social que necessita estar com outro para existir.

Não seria estranho, inclusive, afirmar que tais papéis são as projeções do “eu” que equivalem
aos objetos de estudo da psicanálise. Ao fazer escolhas do cotidiano, o indivíduo registra a
tentativa de agradar – ou pelo menos não desagradar – outros que estão no seu contexto e que
dependem desse jogo para aceitá-lo – ou não – como integrante de um agrupamento. Além de
satisfazer expectativas dos outros, é necessário também que as próprias expectativas sejam
satisfeitas e assim sejam construídos os laços do pertencimento, imprescindíveis para a
manutenção do indivíduo como integrante desse ou daquele determinado grupo.

Com o grupo devidamente escolhido, as características dele passam a ser reproduzidas, com
as liberdades e constrangimentos que são cabíveis, dentro do que faz parte do horizonte de
expectativa do grupo. É o que Bauman (2010) chama de grupos de referências:

                       Trata-se de grupos em relação aos quais medimos nossas ações e que
                       fornecem os padrões a que aspiramos. O modo como nos vestimos, falamos,
                       sentimos e agimos em diferentes circunstâncias constitui traços conformados
                       por nosso grupo de referência (BAUMAN, 2010, p. 46).


É interessante frisar que, apesar de tratar o pertencimento aos grupos como uma questão de
escolha pessoal, nem sempre é possível afirmar que essas escolhas sejam conscientes. Há, por
mais ínfimo que possa parecer, uma condução de determinadas características que fazem parte
do contexto social a que estão inseridos e que não são facilmente alteradas. Lógico que alguns
desses indivíduos conseguem discernir que até mesmo estas escolhas podem ser conscientes e
passam a negar as características que julgam pouco adequadas aos seus contextos sociais – e
esse fato pode ser considerado uma justificativa para certa rebeldia ou inadequação aos
parâmetros exigidos pela sociedade.

Alguns grupos, entretanto, apesar de fazerem parte do círculo social e responderem às ações
dos indivíduos podem não fazer parte de um grupo de referência. As reações e posturas
podem ter certa influência no indivíduo, mas não são determinantes para que sejam feitas
25



escolhas sobre hábitos e costumes. Bauman (2010, p. 46) cita como exemplo a família, os
amigos, professores e chefes de trabalhos. Para que a influência seja observada – ou presente
– é preciso “algum grau de consentimento para que um agrupamento se transforme em grupo
de referência”.




3.2 A CONFIGURAÇÃO DA SOCIABILIDADE NAS REDES SOCIAIS




Um importante conceito que deve ser tratado ao falar de sociabilidade são as redes sociais.
Apesar do alarme feito com os sites e sistemas online de relacionamento, algumas
características das redes sociais advêm de uma época bem anterior ao nascimento da internet.
Para falar sobre elas, é necessário retornar ao conceito de redes. Os primeiros estudos
especializados sobre redes datam do século XVIII, quando o matemático Ëuler propôs que os
pontos de acesso à cidade prussiana de Königsberg eram como arestas e os lugares conectados
por ela eram chamados de nós (Recuero, 2004). O primeiro teorema dos grafos, como ficou
conhecido, foi fundamental para o desenvolvimento dos estudos que faziam a análise
estrutural de redes sociais, quando, por analogia, as pessoas eram considerados nós e as
relações entre elas as arestas – exatamente como propôs o matemático para um problema
físico.

Apesar de ter como berço a matemática, o teorema de grafos foi incorporando informações de
outras áreas das ciências, como biologia, física e, posteriormente, a sociologia, que fez a
incorporação que permite tratar de redes sociais. Qualquer relação entre dois indivíduos
poderia ser considerada como uma rede – conhecido como dríade -, porém alguns autores
defendem que só seria permitido tratar como tal a partir da formação das tríades, onde existe
sempre um nó conector entre duas relações distintas. Não cabe a esse trabalho, entretanto,
afirmar qual a maneira mais adequada para se avaliar o nascimento de uma rede, mesmo
porque o objeto de estudo, os agrupamentos juvenis, se caracterizariam como redes em
qualquer uma das situações.

Existem alguns aspectos adequados para análises dos agrupamentos juvenis sob a ótica da
teoria de redes. Um deles seria a análise da topologia da rede, ou seja, de como esses nós se
26



comportam e qual a densidade do sistema. Para efeitos de pesquisa, os agrupamentos juvenis
que são objeto de estudo da presente monografia poderiam ser indicados através da
classificação de redes sem escalas. Segundo Barabási e Albert (1999), citado por Recuero
(2009), as redes possuem um padrão de organização aleatório que apresentam uma ordem
dinâmica de estruturação. Para os autores, existem muitos nós que possuem poucas arestas,
enquanto uma minoria concentra uma grande quantidade, como um pequeno centro de
distribuição de relações – hubs ou conectores. Esses hubs e conectores teriam uma conexão
preferencial e, no caso dos agrupamentos juvenis, equivalem aos líderes dos grupos, que
exercem algum tipo de poder para influenciar os demais integrantes dos agrupamentos.

Algumas propriedades listadas por Recuero permitem analisar as redes formadas pelos
agrupamentos juvenis de uma maneira mais complexa e extensa, principalmente quando
analisada a presença de líderes e de uma estrutura hierarquizada de comando, além do que se
pode considerar o sistema formado por esses jovens como uma rede altamente complexa que
se sobressai às arestas e relações dentro dessa rede. O objeto de estudo desse trabalho
comprova que essa característica é realmente formadora da rede e estende ainda mais a
questão. Alguns dos integrantes de uma determinada rede, além de partilhar dos interesses
desse agrupamento, eles participam de outros agrupamentos e redes.

É interessante também trazer à tona a discussão sobre a intensidade dos laços que são
construídos dentro de uma determinada rede. Essa intensidade pode ser utilizada para avaliar
também a sociabilidade dos indivíduos, pois determina o grau de proximidade no
relacionamento entre eles. Os laços fracos são aqueles que apresentam ligação sem vínculos
mais profundos, muitas vezes ligados a aspectos superficiais de uma determinada rede. Esses
laços são fundamentais porque normalmente eles são os responsáveis pela ligação entre redes,
que potencializa as conexões e as interações futuras. Podem ser observados em qualquer
ambiente ou contexto em que o indivíduo está inserido e é facilmente notado em relações de
trabalho, por exemplo, que se limitam estritamente ao ambiente profissional. O outro caso,
entretanto, apresenta-se como mais fundamental para a construção da sociabilidade, pois se
refere aos laços fortes que são formados a partir de interações constantes e que se estendem
além de um contexto determinado pela rede. Existem diversos exemplos que podem auxiliar
no entendimento de laços fortes como as amizades que, muitas vezes, partilham os mesmos
interesses e os mesmos espaços geográficos, participando de círculos sociais como o ambiente
de trabalho e as opções de lazer.
27



3.3 SOCIABILIDADE E FRONTEIRAS DE CIRCULAÇÃO




As mais variadas transformações que a sociedade passou nos últimos 40 anos, desde a
revolução sexual da década de 1960 e os movimentos de contracultura, por exemplo,
alteraram profundamente as estratégias utilizadas pelos estratos sociais para sociabilidade. A
juventude, enquanto classe heterogênea, repleta de diferenças e vicissitudes típicas do seu
agrupamento difere dos demais segmentos sociais em que estão inseridas. Contextualizando
as modificações, Feixa (In Costa e Silva, 2006) busca, nas pesquisas de V. Woolf e H. Wulff,
apresentar a participação física do quarto de adolescentes e jovens como espaço de
socialização. A primeira, com a publicação de A Room for One’s own de 1929, em que o
quarto (com destaque ao das jovens) aparece como espaço para construção de suas
identidades e a segunda, já na década de 1980, apresentando as modificações que o contexto
econômico irão produzir na oportunidade de mais jovens possuírem seu próprios espaço de
identidade, seus próprios quartos.

O importante na análise do quarto dos jovens como espaço para construção identitária permite
que verifiquemos que, munidos de seus próprios espaços, os jovens irão utilizá-lo para
sociabilidade com amigos. “Alguns pais, no entanto, adotavam outra prática, convidando os
amigos dos filhos para freqüentarem suas casas, tendo com isso a ideia de que os mantinha
sob controle” (COSTA E SILVA, 2006 p. 154).

Dentro de seus próprios espaços, algumas vezes forçados pelos pais em decorrência do
aumento significativo da violência urbana, o jovem buscará utilizá-lo da maneira mais
adequada que lhe couber. Feixa (In COSTA E SILVA, 2006, p.106), ao fazer a análise de
caso de uma família de classe média espanhola, verificou que o jovem de 19 anos analisado
“tranca-se nele [no próprio quarto] para jogar, fazer trabalhos manuais, ginásticas, para
escutar música, ler revistas, receber chamadas e mensagens de sua namorada pelo celular”.

Utilizado por Feixa (In COSTA E SILVA, 2006), o estudo desse caso pode servir como
parâmetro para outras análises, mesmo que sejam analisadas famílias em diferentes contextos
culturais. O processo de globalização e a erupção de fronteiras nacionais provocam a
convergência de análises de diferentes casos com resultado parecido. Caso a família analisada
fosse deslocada da Espanha para o Brasil, verificando-se certa semelhança entre os contextos
econômicos, é possível obter as mesmas diferenciações em relações a gerações anteriores.
28



Esse quarto a que estamos nos referindo é completamente atípico para os jovens das periferias
dos grandes centros urbanos. Ao citar que o quarto dos jovens compõe um espaço
extremamente fundamental para a construção da sua identidade enquanto ser social, a
inexistência desse espaço personalizado serve de justificativa, ou ao menos pano de fundo,
para a busca por alternativas para a sociabilidade e para a construção identitária dos jovens.

Almeida e Tracy (2003) trazem uma importante discussão entre as diferenças entre lugar e
espaço, fazendo referências a diferenciação conceitual proposta por Michel De Certeau. Essa
distinção é necessária para reconhecer a importância que cada um dos conceitos terá na
conformação dos agrupamentos. No caso dos agrupamentos juvenis, existem os lugares
escolhidos como pontos de encontro e de existência física dos movimentos, porém esse lugar
é transformado no espaço de identidade, semelhante ao debate sobre o quarto dos
adolescentes referido anteriormente.

                        “(...) o espaço é composto por uma multiplicidade de histórias, percebe-se
                        que nada poderia ser a um só tempo mais ordenado e mais caótico que o
                        espaço, com todas as suas justaposições inusitadas e efeitos emergentes
                        involuntários” (DE CERTEAU In ALMEIDA E TRACY, 2003, p. 28).


Um espaço nada mais é do que a representação social do lugar escolhido pelos agrupamentos
para sua manifestação de estilo, hábitos, etc. Ao fazer a opção de um lugar físico para realizar
seus encontros e reuniões, os grupos juvenis fazem a escolha de qual local geográfico eles
devem existir, adaptando ou procurando adaptar-se a esse espaço, tentando de alguma forma
colocar um pouco de sua identidade nele – no caso de espaços públicos, a manifestação pode
ser através da negação de autoridades ou até mesmo pelo compartilhamento de vestes e gírias,
por exemplo.

Esse espaço é uma das principais ferramentas que o adolescente/ jovem encontra para
caracterizar a própria identidade, tão necessária e requerida para a inserção desse jovem no
círculo social. Ao organizá-lo da maneira que julga mais apropriada ou através da negação de
uma autoridade que compõe aquele espaço, o adolescente tenta apresentar ao mundo a própria
personalidade – ou seja, as representações sociais que ele interpreta para fazer parte desse
mundo. A composição dos papéis selecionados por ele numa tentativa de inserir no contexto
social depende – também – do espaço identitário que ele utiliza como seu.

A escolha desse espaço, entretanto, é cada vez menos aleatória e depende consideravelmente
da situação sócio-econômica do lugar geográfico em que estão inseridos. Almeida e Eugenio
29



(2006) apontam um critério de diferenciação cada vez mais comum nas seleções de emprego e
que não deixa de ser uma manifestação de preconceito social:

                           O endereço faz diferença: abona ou desabona, amplia ou restringe acessos.
                           Para as gerações passadas esse critério poderia ser apenas uma expressão da
                           estratificação social, um indicador de renda ou de pertencimento de classe.
                           Hoje, certos endereços também trazem consigo o estigma das áreas urbanas
                           subjugadas pela violência e a corrupção dos traficantes e da polícia –
                           chamadas de favelas, subúrbios, vilas, periferias, morros, conjuntos
                           habitacionais, comunidades (ALMEIDA E EUGENIO, 2006, p. 106).4


Além de ser um critério de diferenciação para inserção no mercado de trabalho, o endereço
fará diferença na escolha dos espaços que os agrupamentos juvenis terão autorização de
compartilhar. Numa interpretação mais geral, pode-se observar que parte da sociedade encara
que os agrupamentos ou até mesmo os jovens devem permanecer dentro do espaço geográfico
a que foram destinados por sua condição sócio-econômica. Não se trata, entretanto, de uma
afirmação elitista ou preconceituosa, mas apenas a constatação de que, mesmo os próprios
jovens, compartilham a ideia que existe um espaço a eles destinado. Talvez por isso, no caso
dos bondes juvenis – que serão apresentados mais profundamente no próximo capítulo –
ocorra a negação e a contestação do espaço que eles julgam ter sido escolhido pela sociedade,
levando a ruptura das barreiras sociais invisíveis criadas.

A origem desse preconceito pode ser justificada como resultado do aumento da violência nos
espaços urbanos – no século XXI, pela primeira vez na história da humanidade, a população
urbana superou a população rural. Uma afirmação de Pedrazzini (2006) resume e corrobora
com o pensamento da maioria da população: “os fenômenos de violência das grandes cidades
e o sentimento de insegurança dos seus habitantes são indicadores e fatores de uma
transformação radical do espaço urbano” (PEDRAZZINI, 2006, p. 99).

A transformação radical a que se refere Pedrazzini é a retaliação/ reordenamento dos espaços
de convivência dos indivíduos, transformando-os muitas vezes em prisioneiros dentro da
própria residência. Além das casas com esquemas de segurança, parte da população busca,
nos espaços de convivência, a noção de segurança que lhe é permitida dentro dos lares. Essa
busca, em alguns casos, desmedida transforma locais de trabalho em celas e os espaços
públicos em locais de constante vigilância. Se um determinado lugar não permitir a noção de
segurança exigida, ele não fará parte do espaço de convivência dos indivíduos. Por isso, um
4
 O endereço da moradia tem sido indicado como um fator determinante em algumas pesquisas sobre emprego.
Esse quesito não é apenas um critério para eliminação de jovens que tentam se inserir no mercado de trabalho,
mas também de adultos e outros profissionais.
30



movimento bastante comum é a substituição da antiga praça da grande cidade pela praça de
alimentação dos shoppings centers, onde a noção de segurança é maior:

                       Os esforços de manutenção da estabilidade social produzem cidades e redes
                       de sociabilidade “maquiadas” de ordem e segurança. Vias de passagem, não
                       permitidas para pedestres, locais públicos de extrema luminosidade e
                       pontuados por esquemas de segurança. Os shopping centers expressam o
                       cenário por excelência do sonho idílico da segurança na sociedade de
                       consumo. Espaços zoneados, espaços segregados (DIÓGENES, 2008, p. 82).


Esse cenário das cidades violentas é, porém, bem mais recente do que o medo vivenciado
pelas pessoas. É correto afirmar que a violência sempre existiu dentro da sociedade, mas nos
últimos anos o acesso a informações sobre ela só possibilitaram um aumento constante da
sensação de receio sobre quem é o próximo:

                       (...) a imagem da cidade caótica, dividida, cruel e perigosa foi instaurada no
                       imaginário coletivo há dez ou vinte anos. Talvez ela tenha sido reinstaurada
                       no cenário urbano e na mente dos habitantes desde que alguns arranha-céus
                       da mitologia metropolitana desabaram na terra roubada dos índios de
                       Manhattan (PEDRAZINNI, 2006, p. 59).


A dinâmica do medo não se resume a questão de movimentos terroristas ou envolvendo
centenas ou milhares de pessoas. O medo nos grandes centros urbanos faz parte do cotidiano e
pode ser observado em qualquer integrante da sociedade em qualquer espaço utilizado para
pesquisa. “Os habitantes urbanos não conseguem mais distinguir as violências que os
assustam, tampouco identificar o “inimigo” ou o “agressor””, indica Pedrazzini (2006, p.
100). Se não conseguem identificar quem são esses atores, por que então ter medo?

Nas grandes cidades, há o estigma do pobre – jovem pobre - como marginal. Esse estigma
evoluiu a partir do preconceito social criado pela sociedade para dividir as cidades em blocos,
principalmente com a emergência do fenômeno das favelas. No caso brasileiro, mais
especificamente, a dificuldade de conhecimento de quem são especificamente os atores da
violência, gera o preconceito com o endereço, por exemplo. A violência pode ser resumida
como uma manifestação das políticas sociais e econômicas desenvolvidas por aqueles que
controlam o poder:

                       Seria um erro, do ponto de vista científico e não ideológico, separar o estudo
                       da violência urbana do estudo da cidade com o espaço de conflito e poder,
                       separar as questões de luta contra a insegurança das questões que se referem
                       ao desenvolvimento da economia política da segurança, assim como pensar
                       que implantação da segurança do território não está diretamente ligada aos
                       interesses imobiliários, em que a polícia desempenha os papéis de consultor
31



                       em investimentos, especialista em segurança e investidor bem-sucedido, na
                       medida em que a população carcerária aumenta (PEDRAZZINI, 2006, p.
                       115).


O medo da violência é tamanho que os espaços públicos mais frequentados são, na verdade,
uma maquiagem para esconder um espaço privado. Esse processo, que Pedrazzini chama de
fragmentação de espaços é uma prova da reconfiguração exigida pelas divergências sócio-
econômicas entre os integrantes dos espaços urbanos e terão reflexo direto no relacionamento
entre pais e filhos, os primeiros reduzindo os ambientes de convivência a fim de reduzir a
exposição à violência. Por isso o papel tão importante do quarto dos jovens para a construção
identitária dos adolescentes (FEIXA In COSTA E SILVA, 2006).

Limitados fisicamente a espaços altamente restritivos, os jovens passam a desenvolver novas
estratégias para interagir e permanecer em contato com outros pares, no eterno espetáculo da
vida, lutando para ter a identidade reconhecida não apenas por outros jovens, mas,
especialmente, pelos adultos, a quem tão incessantemente buscam negar ao mesmo tempo em
que tentam atingir às expectativas por eles criadas (situações citadas no capítulo um dessa
monografia).




3.4 GALERAS, GANGUES, EQUIPES E BONDES




Entre as formas de sociabilidade entre os jovens, Diógenes (2008) faz uma diferenciação
importante entre dois tipos de agrupamentos juvenis em que podem ser classificados os
bondes juvenis. Trazendo a reflexão sobre “galera” e “gangue”, a pesquisadora alerta que se
trata de uma fronteira tênue e que facilmente pode ser quebradas no caso de grupos do Rio de
Janeiro e de Fortaleza. Em Salvador, apesar da nomenclatura “gangue” não ser tão usual na
sociedade, na forma com que se configuram os encontros dos bondes pode-se facilmente
depreender que eles podem ser reconhecidos como tal.

Diógenes coloca que a popularização dos bailes funk foi fundamental para a expansão das
galeras nas periferias das grandes cidades brasileiras, com a formação de turmas de jovens
para a realização de agitos nas áreas urbanas. Quando essas galeras passaram a extrapolar os
32



ambientes circunscritos para a realização de bailes, “representando os espaços de moradia”
como forma de destaque para conquistar o respeito de outras galeras, houve a associação entre
essas galeras e a violência (DIÓGENES, 2008).

                       Movidos pela necessidade de consolidar no grupo a ideia de pertencimento,
                       as turmas de jovens “organizam-se” com o objetivo de deixar marcas
                       territoriais. Essa necessidade de “registro social” no mapa “oficial” é que vai
                       ensejar entre as galeras a mobilização de práticas de violência. (...) Quando
                       as galeras se apresentam como “corpos em evidência”, mobilizados por
                       práticas de violência, as denominadas “guerras de meninos” passam a ser
                       registradas como estratégias de ação de gangues (DIÓGENES, 2008, p.
                       105).


As distinções, entretanto, não são facilmente percebidas. Na verdade, as diferenças estão no
referencial de quem observa e analisa o fenômeno. Os próprios integrantes das galeras e das
gangues trazem conceitos de diferenciação não muito claros, conforme depoimentos colhidos
por Diógenes (2008, p. 108):

                       Porque gangue mesmo não é aqui, é só fora mesmo quando a gente vai para
                       uma festa, até os policial considera como gangue. Só fora, porque aqui
                       dentro mesmo não tem (Componente da Galera da Quadra).
                       Gangue quem chama a gente são os de fora. Gangue quem chama é
                       jornalista, é jornalista quem chama. A gente chama de galera, galera da
                       quadra. Essa ideia de galera não tem essa de ser certinha e a outra não!
                       Galera é galera e quer dizer uma turma de jovens reunida, galera quer dizer
                       reunião de pessoas. Se me perguntarem se é uma gangue? Eu digo, gangue é
                       de padre, é um monte de padre junto, ou uma gangue de polícia que é um
                       monte de policial junto. Só chama a gente de gangue aqueles que têm raiva,
                       aqueles que são otário (Integrante da Galera da Quadra).


O que se percebe é que o modo como são encarados os agrupamentos é fundamental para a
sua construção identitária. O “olhar de fora” faz parte das escolhas e das formas de
representação escolhidas pelos integrantes do grupo como expressão desses jovens. Os bondes
juvenis vão seguir a mesma lógica de raciocínio: se não me reconhecem como um grupo, eu
preciso realizar ações que me permitam ser reconhecido. Muito provavelmente essa estratégia
seja reflexo da estrutura sócio-econômicas a que estão submetidos e que desejam romper.

Outra justificativa, citada por Diógenes, são os limites entre exclusão social e violência. Para
a autora, a juventude, por sua estrutura fragmentada e não totalmente formada, num período
de transição entre a infância e a maturidade, é mais susceptível a ausência de referenciais.
Tanto que muitos deles buscam esses referenciais nos agrupamentos juvenis que fazem parte.
33



É como se apesar de serem necessários como referenciais, os adultos devam ser negados
enquanto referência, um paradoxo já levantado por Calligaris (2000), citado anteriormente.

                         Em nenhum outro segmento social o vazio de referentes de autoridade, da lei
                         tem efeito tão direto quanto na vivência juvenil. A ausência de valores
                         sociais balizados por uma ideia de consenso, de constituição de referentes
                         capazes de forjar identidades coletivas, impulsiona jovens de diferentes
                         cidades do mundo às práticas de violência. A condição de pobreza, o
                         sentimento de exclusão, são experiências dolorosas e, embora atuem como
                         anti-referentes, mobilizam a formação de turmas. Na vivência das gangues
                         os anti-referentes positivam-se e induzem um amplo jogo de representações
                         e instituições (DIÓGENES, 1008, p. 163).


A presença dos referenciais entre os próprios jovens leva a condutas compartilhadas, sem uma
posição reflexiva diante dessa postura. Criam-se cópias dos referenciais, seja através das
condutas, seja através de estilos, de estética, de gírias e comportamentos frente a situações
atípicas ou fora de controle. Por isso, grande parte dos jovens reproduz fielmente as
características apresentadas pelos grupos de identificação escolhidos para o pertencimento.

No caso dos bondes, percebe-se claramente que as características básicas dos grupos foram
herdadas de outros referenciais, a começar pela própria nomenclatura dos agrupamentos, uma
clara referência ao funk carioca, que influenciou também a formação das galeras na capital
cearense, conforme citado por Diógenes (2008). Outro aspecto importante de como os bondes
possuem referenciais predecessores é o tipo de música escutado pelos jovens (no capítulo três
há um exemplo), chamado por eles de stronda que faz uma mistura entre a batida do funk e as
letras faladas do rap.

Além de serem conhecidos como bondes, esses agrupamentos juvenis se auto-denominam
“equipes” ou “famílias”, uma outra forma de distinção da nomenclatura “galeras”. A
explicação para o uso desses dois nomes não é muito clara e os próprios jovens não sabem se
existe alguma diferença. Entretanto, nenhum dos agrupamentos observados no site de redes
sociais Orkut apresentou referências a “galeras” ou a “gangues”, possivelmente como forma
de proteção e de não associação com as ações violentas realizadas no Rio de Janeiro e em
Fortaleza pesquisadas por Diógenes (2008).

O significado do uso dos termos “família” e “equipe” – muitas vezes com grafias diferentes
da norma culta da língua portuguesa (ekipe, ekuipe, f4milia, etc.) – permite afirmar que esses
agrupamentos juvenis atendem à necessidade dos jovens de pertencer a um grupo de
indivíduos que compartilhem as mesmas necessidades e expectativas da vida. É válido
34



comentar que o termo família seja o mais carregado numa perspectiva semiótica, pois
possibilita inferir que os jovens buscam nos bondes uma alternativa para o relacionamento
parental, ampliando e estendendo o conceito do que lhes é familiar ou que compõe seu círculo
social mais próximo.

Os termos citados por Diógenes não aparecerem como referências diretas dos bondes, porém
os aglomerados adotam práticas similares, como as formas de expressão artística e cultural.
Ainda que haja a negação de ser uma “galera” ou uma “gangue”, isso não implica dizer que os
bondes não utilizem a violência como forma de expressão social. Os exemplos de ações
violentas por integrantes desse tipo de agrupamento juvenil puderam ser observados em
diversos Estados brasileiros como Rio Grande do Sul, São Paulo e Bahia – as notícias e as
referências acerca desse assunto serão citadas no próximo capítulo.




3.5 INTERNET E AMPLIAÇÕES DOS DESLOCAMENTOS NO ESPAÇO URBANO




Para driblar essa enorme quantidade de barreiras a que são submetidos, os jovens buscam
outras dinâmicas para a manutenção da necessidade da formação de grupos para a
consolidação da identidade desejada. Os atuais jovens têm um suporte diferenciado das
gerações anteriores, com a evolução do sistema de comunicações e o aporte da internet como
uma nova tecnologia para comunicação em larga escala e também instantânea. “A atual
geração de crianças e jovens é a primeira que foi educada em uma sociedade digital: por isso
eu a chamo de geração net” (TAPSCOTT, 2000 citado por FEIXA In COSTA E SILVA, 2006
p. 86). A geração net ou “geração @”5 expressa diversas tendências, entre elas o acesso
generalizado às tecnologias de informação (ainda que de maneira disforme), a erosão das
fronteiras tradicionais de sexo e gênero e o processo de globalização da cultura.

A “geração @” oferece a alternativa de analisar a juventude através de um elemento comum
aos diferentes contextos sócio-econômicos e até mesmo culturais. Essa geração, que convive
desde a infância com a internet, instrumentaliza-a como alternativa de sociabilidade, aliada a
convivência no ambiente restrito do próprio quarto – os dos ambientes escolhidos pelos pais –
e a chance de expandir os horizontes de expectativas, ainda que seja uma geração marcada
5
    FEIXA, 2006.
35



pelos medos, “em destaque o „medo da morte‟ e o „medo do futuro‟” (NOVAES In
ALMEIDA E EUGENIO, 2006).

O ambiente virtual passa a ser uma fronteira de convivência que faz parte do dia a dia de cada
adolescente ou jovem. Ao receber a permissão dos pais para participar de uma comunidade
sem limitações físicas, o jovem utiliza ambientes sintéticos, navegáveis espacialmente através
de um avatar e mediados por computador (CASTRONOVA, 2006 In RIBEIRO E FALCÃO,
2009). As fronteiras físicas, as barreiras espaciais impostas pela violência, pela sociedade,
pelos próprios pais, são então quebradas pelo surgimento de um ambiente novo e sem
limitações – pelo menos é dessa forma que a maioria dos adolescentes encara a internet.
Nesse ambiente, distante de recomendações parentais em muitos casos, surge uma nova e
diferente porta para a sociabilidade.

É válida a lembrança de que as diferenças educacionais entre as gerações é um fator
determinante para que haja o distanciamento entre elas. Parte dos jovens com acesso à internet
e que participam de agrupamentos juvenis como os bondes são oriundos de classes sociais
menos favorecidas economicamente, mas ainda assim, tiveram um tempo maior de acesso à
escola e à educação formal que os próprios pais. Esses pais fazem parte do que a imprensa
hoje chama de nova classe média, como indicado na matéria “Nova classe média muda
mercados”, publicada pelo portal G1.com.br.6 Essa “nova” classe social permitirá um maior
acesso dos jovens a bens de consumo, com o computador aparecendo entre os principais
objetos de desejo.

Há ainda a presença marcante das lan houses nas regiões das periferias das grandes cidades,
que possibilitam que a população sem acesso ao computador e à internet dentro de casa possa
ter acesso às ferramentas e aos suportes disponíveis na grande rede. O fenômeno dos
telecentros comunitários no Rio de Janeiro foi estudado por Sorj (2003), mas os dados
carecem de atualização, pois é de conhecimento público a importância das lan houses no
processo de socialização e de democratização do acesso à computadores e à internet – sem
levar em consideração a qualidade desse uso. Algumas informações levantadas pelo
pesquisador, entretanto, ainda podem ser utilizadas como parâmetros, como, por exemplo, o
acesso à internet em telecentros que possuem uma melhor estrutura tecnológica para conexão
e ampliam a qualidade do acesso – mesmo que com a cobrança por tempo de acesso.


6
 Disponível em http://g1.globo.com/Noticias/Economia_Negocios/0,,AA1578361-9356,00-
NOVA+CLASSE+MEDIA+MUDA+MERCADOS.html, acesso em 07 mai. 2010.
36



Em conversas informais com os integrantes dos bondes juvenis, é possível perceber que um
grande número deles já possui acesso à internet dentro da própria residência. Após o aumento
da renda de muitas famílias consideradas de baixa renda, foi possível a aquisição de um
computador, compartilhado pelos integrantes da família, e que, na visão de muitos populares,
será responsável pela inserção no mercado de trabalho.

                          Noutras palavras, à proporção em que o sistema produtivo se informatiza, a
                          noção de que é necessário dominar este instrumento para assegurar maiores
                          chances de trabalho se “infiltra” rapidamente entre os diversos setores
                          sociais, pois o uso de informática passa a ser visto como condição de
                          obtenção de trabalho e de sucesso escolar (SORJ, 2003, p.6).


Essa noção de que o acesso à informática aumenta as chances de acesso ao mercado de
trabalho produz a necessidade de formação mínima que seja para a utilização dessas
ferramentas. A formação indicada não é a educação formal, mas o aprendizado de algumas
informações básicas sobre a utilização do computador, que, segundo Sorj, foi permitida por
um grande número de ONGs, que, apesar de não conseguirem atingir um número grande da
população    –   políticas    públicas    teriam   maior    alcance    -,   conseguiram     ampliar
significativamente o acesso aos computadores e à internet nas comunidades em que estão
inseridas – os dados da pesquisa de Sorj são relativos ao Rio de Janeiro, porém é possível
traçar paralelos devido às semelhanças sócio-econômicas entre as comunidades de baixa
renda de todo o Brasil.

A qualidade do uso que esses indivíduos fazem ainda não pode ser verificada por estudos
acadêmicos sobre o assunto. A própria dinâmica de transformação dos usos – reflexo da
velocidade com que novas tecnologias e novos suportes acabam surgindo – impede que a
academia consiga absorver essas transformações. O que se pode afirmar é através de análises
menos profundas de nichos sociais ou mesmo através da repercussão na imprensa de
fenômenos de popularização da internet entre as camadas mais pobres – as lan houses, por
exemplo, tornaram-se alvo de uma série de reportagens produzida para o programa Fantástico
da TV Globo. A simples existência desses fenômenos indica que não se pode subjugá-los
enquanto elementos da realidade de famílias pobres.

Um número significativo de integrantes de bondes quando perguntado sobre quais os
principais usos que fazem da internet cita os sites de rede sociais e as ferramentas de
comunicação instantânea como os principais objetivos ao se conectarem à internet. O mais
comum entre os sites de redes sociais é o Orkut, que agrega 50,60% de seus usuários no Brasil
37



e entre as ferramentas de comunicação instantânea destaca-se o MSN Messenger, programa
de comunicação instantânea que faz parte do pacote do Microsoft Windows – principal
plataforma de acesso aos computadores utilizados pelas populações de baixa renda e também
nas lan houses e telecentros.7

Tais ferramentas serão fundamentais para a expansão e a quebra das fronteiras de
sociabilidade para os jovens. Eles irão apropriar-se dessas ferramentas e as utilizarão como
um instrumento para atingir objetivos tidos como básicos por seus pares: busca por amigos,
namoro e contatos com outros jovens. Antes de entrar em detalhes sobre os usos dessas
ferramentas é necessário apresentar algumas informações sobre os sites de redes sociais que,
na verdade, são suportes para a integração, mas não o fazem sem a instrumentalização pelos
indivíduos.

                            Embora os sites de redes sociais atuem como suporte para interações que
                            constituirão as redes sociais, eles não são, por si, redes sociais. Eles podem
                            apresentá-las, auxiliar a percebê-las, mas é importante salientar que são, em
                            si, apenas sistemas. São os atores sociais que utilizam essas redes, que
                            constituem essas redes (RECUERO, 2009, p. 104).


Recuero faz ainda a distinção entre sites de redes sociais propriamente ditos como Orkut e
Facebook e sites de redes sociais apropriados, que não necessariamente tinham esse fim
quando foram criados. A definição de sites de redes sociais indica que é um espaço virtual em
que os indivíduos necessitam personificar um avatar ou um perfil e, a partir desse perfil,
interagir com outros membros da mesma rede social, seja através da formação de laços fracos
– adicionar como amigo -, seja através da participação em comunidades e em discussões sobre
os assuntos compartilhados – participação em debates e fóruns existentes em comunidades
virtuais. Alguns sites, entretanto, não permitiam inicialmente a formação de um perfil, porém
o uso constante e a instrumentalização dos usuários permitiram que fossem considerados
como redes sociais apropriadas. Como exemplo, Recuero cita os fotologs, que foram usados
por grande parte da população com acesso à internet principalmente entre 2004 e 2007 e que
se transformaram em grandes redes sociais. Ao instrumentalizar uma ferramenta disponível na
internet como uma rede social, os jovens ganham um novo espaço de sociabilidade e podem
exercer suas funções de interação social e expandir fronteiras.

                            Um ator determinado, por exemplo, poderia assim usar o seu perfil no Orkut
                            para manter contato com amigos distantes, usar o GoogleTalk para conversar
                            trivialidades com os amigos mais próximos e usar seu weblog para discutir

7
    Disponível em www.orkut.com. Acesso em 10 mai. 2010.
Jovens da periferia de salvador   os bondes
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Jovens da periferia de salvador os bondes

  • 1. 1 UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE COMUNICAÇÃO COMUNICAÇÃO SOCIAL – JORNALISMO FERNANDO SOUSA DUARTE JOVENS DA PERIFERIA DE SALVADOR: OS BONDES Salvador 2010
  • 2. 2 FERNANDO SOUSA DUARTE JOVENS DA PERIFERIA DE SALVADOR: OS BONDES Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como requisito parcial da graduação de Comunicação Social – Habilitação em Jornalismo – da Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da Bahia. Orientadora: Profª. Dra. Maria Lucineide Andrade Fontes (Malu Fontes) Salvador 2010
  • 3. 3 RESUMO Este trabalho tenta apresentar um fenômeno da juventude urbana contemporânea que se autodenomina bonde ou família e envolve jovens de 14 a 24 anos com origem nas periferias dos grandes centros urbanos e, no caso específico dessa monografia, da cidade de Salvador. Esses novos agrupamentos sociais juvenis nascem através de ferramentas de comunicação disponíveis na internet, como sites de redes sociais e programas de comunicação instantânea, e deslocam-se das zonas periféricas das cidades para os shopping centers, espaços público-privados que concentram os desejos de consumo de grande parte da população e que funcionam como limites entre as classes e entre espaços de sociabilidade dos diversos estratos sociais. “A periferia no shopping: internet e deslocamentos juvenis urbanos” busca apresentar e entender um pouco sobre conceitos de sociologia, por Bauman, de tribos urbanas, por Maffesoli, de adolescência, por Calligaris, além das noções de deslocamento no espaço urbano de grupos da periferia encontradas através da pesquisa empírica do autor. Palavras-chave: juventude, periferia, internet, deslocamento urbano, sociabilidade juvenil
  • 4. 4 SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO 05 2.1 CAPÍTULO 1 - COMPORTAMENTO JOVEM: ESTIGMAS, 08 CATEGORIZAÇÕES E FRAGMENTAÇÕES 2.2 A REPRESENTAÇÃO SOCIAL DO JOVEM 10 2.3 JUVENTUDE BRASILEIRA, PERIFERIA E VIOLÊNCIA 18 3.1 CAPÍTULO 2 - PAPÉIS E REPRESENTAÇÕES DA JUVENTUDE 21 CONTEMPORÂNEA 3.2 A CONFIGURAÇÃO DA SOCIABILIDADE NAS REDES SOCIAIS 25 3.3 SOCIABILIDADE E FRONTEIRAS DE CIRCULAÇÃO 27 3.4 GALERAS, GANGUES, EQUIPES E BONDES 31 3.5 INTERNET E AMPLIAÇÕES DOS DESLOCAMENTOS NO ESPAÇO 34 URBANO 4. CAPÍTULO TRÊS - JOVENS DA PERIFERIA DE SALVADOR: OS 40 BONDES 5. CONCLUSÃO 48 6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 51
  • 5. 5 1. INTRODUÇÃO Este trabalho de conclusão de curso de Comunicação Social com habilitação em jornalismo busca apresentar um fenômeno social urbano recente da juventude, autodenominado como bondes juvenis. Trata-se do agrupamento de jovens entre 14 e 24 anos em “bondes” ou “famílias” que tensiona as fronteiras de sociabilidade e amplia o espaço de convivência, utilizando a internet como suporte para a formação de vínculos. Esses grupos se apropriam da nomenclatura do funk carioca para indicar sua identidade e compartilham, além de interesses comuns, hábitos de vestir e falar, que garantem a unidade – mesmo que disforme – desses agrupamentos1. E, conforme limitações sócio-econômicas são impostas, esses jovens utilizam alternativas para interagir e exercer o papel social que lhes são conferidos pelo restante da população. A atual geração de jovens é bem distinta daquela geração de 1968, com alto grau de politização enquanto produtores e consumidores de cultura. A juventude atual está inserida num contexto completamente diverso daquele vivenciado por seus pais e pelas gerações precedentes. Temas considerados tabus em outros momentos pela sociedade brasileira – e mundial – atualmente fazem parte da rotina de crianças, adolescentes, jovens e adultos. Obviamente, é negativa a hipótese de que podemos classificar os jovens em categorizações estanques. Educadores observam que não há limites específicos ou ritos de passagem que possam identificar em que instante a criança passa a ser adolescente, que passa a ser jovem e depois atinge a idade adulta. Em alguns casos, percebem-se elementos da cultura jovem desde o final da infância, estendendo-se até muito tempo após alguns marcos para a maioridade, objeto de pesquisas da área de psicologia, os chamados adultescentes, ou no inglês kidult.2 É válido ressaltar que, mesmo que seja inviável delimitar uma faixa específica para classificação “jovem”, em estudos antropológicos e sociais é fundamental a identificação de quem são os personagens desses estudos. Em linhas gerais, tratam-se de pessoas que 1 Apesar da apropriação de termos do funk carioca, os integrantes dos bondes optam pelos termos sem o conhecimento prévio ou reflexão sobre a etmologia das palavras. Para compreender o universo temático e conceitual do funk carioca, ver VIANNA, HERMANO (1997). 2 “Para psicanalistas, são as chamadas crises da idade madura. (...) Serve para definir uma pessoa adulta que mantém um estilo de vida próprio de adolescente” (IWANCOW, 2009).
  • 6. 6 compartilham valores específicos, interesses comuns e que constroem movimentos culturais com características semelhantes entre si. Assim, percebemos a importância da sociabilidade como elemento fundamental para construção identitária do jovem enquanto indivíduo e enquanto ser coletivo. Dividir locais públicos, participar de festas e movimentos religiosos, estudantis, etc. já não são o suficiente para uma juventude cercada por limites impostos pela sociedade ou com a ausência de limites estabelecidos pelas figuras parentais. Como estratégia para manutenção de elementos comuns, os jovens buscam então novas alternativas para socialização, principalmente utilizando os recursos tecnológicos disponíveis à geração. O aumento da violência urbana e as incertezas e inseguranças de pais e educadores restringe potencialmente os locais em que tradicionalmente ocorrem encontros e eventos da juventude. Sem os espaços tradicionais, a internet passa a ser uma janela para o conhecimento e também para a sociabilidade. Atrelado ainda ao surgimento de grandes redes sociais e à internet colaborativa, jovens de diferentes classes sócio-econômicas compartilham valores e informações acerca de gostos comuns como músicas, cinema, etc. O limite da segregação social torna-se tênue com a “democratização” do acesso à rede mundial de computadores e o espaço virtual passa a ser apenas o início de um jogo de disputas e construções da identidade juvenil. A fronteira entre o virtual e o real é rompida e, em pouco tempo, percebemos a manifestação de agrupamentos juvenis surgidos na web em ambientes reais. Parte desses grupos, como fãs-clubes, por exemplo, não apresentam características que poderiam ser consideradas desvios da norma social vigente. Entretanto, outros são claramente identificados com quebras de condutas e regras comportamentais, tornando-os objeto de repulsa para o restante da sociedade – fenômeno identificado desde os primeiros instantes em que a juventude passou a ser visualizada como uma categoria social, ainda no final do século XIX. Nesse contexto, poderíamos incluir as torcidas organizadas e, muito recentemente, o aparecimento de bondes ou famílias de jovens – o real objeto de estudo do presente trabalho. Tais agrupamentos não possuem um fim específico, porém seus integrantes passam a construir identidades coletivas que servem para auto-afirmação enquanto jovens e atores sociais. Os dados da pesquisa foram coletados empiricamente, uma opção do autor e também como resultado de uma série de dificuldades, entre elas a raridade de referências a esse fenômeno
  • 7. 7 social nos veículos de imprensa de Salvador. Através das administrações centrais, os pontos de encontros dos bondes, os shopping centers, se esquivam de prestar quaisquer tipo de esclarecimento sobre a existência desses agrupamentos ou a ação dos aglomerados dentro dos estabelecimentos. Mesmo com a interferência da orientadora do trabalho, com solicitação formal de acesso ao shopping para realização de pesquisa acadêmica, foi impossível abordar os integrantes dos bondes dentro das dependências dos centros comerciais, o que limitou consideravelmente o acesso aos garotos e garotas. Algumas informações foram coletadas através de conversas entre o autor e integrantes dos bondes utilizando a ferramenta de comunicação instantânea gratuita disponível na internet MSN Messenger. O trabalho está dividido em três capítulos. No primeiro capítulo serão apresentados conceitos gerais de juventude e como essa categoria, mesmo fragmentada, é utilizada para definir o escopo dessa monografia – mesmo que não haja a possibilidade de congregar os objetos de estudo numa única categoria estanque. O capítulo dois marca o debate sobre sociabilidade juvenil, quando o conceito de tribos urbanas, proposto por Maffesoli é fundamental para que se entenda qualquer fenômeno de agrupamento social juvenil, além da utilização da teoria dos papéis para identificar como funciona a construção da identidade dos jovens e as representações sociais por eles vividas. O capítulo três irá apresentar o fenômeno social em si, com as características dos bondes, suas relações com a periferia e os centros de consumo e o funcionamento dos próprios grupos e as estratégias de sociabilidade encontradas pelos integrantes para quebrar os paradigmas da classe social a que pertencem, do endereço em que moram e do agrupamento que fazem parte. O trabalho tenta também entender os usos que agrupamentos juvenis fazem das ferramentas de comunicação disponíveis na internet e as estratégias para sociabilidade a partir desses recursos, permitindo que a barreira do virtual para o real seja transposta e o fenômeno surgido na web possa ser observado em espaços públicos/ privados.
  • 8. 8 2.1 CAPÍTULO 1 - COMPORTAMENTO JOVEM: ESTIGMAS, CATEGORIZAÇÕES E FRAGMENTAÇÕES O conceito de juventude enquanto classificação etária existia antes de se tornar público alvo das campanhas de marketing do pós-guerra na década de 1950, com as primeiras ações publicitárias a ela destinadas. Entretanto, foi a febre por fenômenos dos ídolos do cinema como James Dean que se tornaram os primeiros objetos de estudo de acadêmicos. Hoje existem pesquisas que indicam que o conceito de juventude começou a ser desenhado no final do século XIX. Mas que jovens são esses que, mesmo tão díspares, podem ser reunidos como uma categoria social que divide interesses comuns? Abordar a evolução histórica das ideias de juventude é essencial para se compreender o objeto de estudo do atual trabalho. Sem entender como funciona a lógica dos pesquisados é impossível discernir quem é quem numa sociedade que, para qualquer tentativa de esboçar suas características, depende da teoria dos papéis, uma incorporação das pesquisas na área de psicologia e que será utilizada na análise deste trabalho. Trata-se da incorporação de determinadas posturas em relação à sociedade que geram uma representação social do indivíduo, permitindo que este indivíduo seja reconhecido como integrante de um determinado círculo, assumindo um papel social a que se propôs ou foi designado. Rocheblave-Spenlé (In Nascimento, 2005, p. 34) resume uma definição abrangente desses papéis como “modelo organizado de condutas relativo a uma certa posição do indivíduo num conjunto interacional”. Falar de papéis não se trata apenas da utilização do termo como num ato de dramaturgia, mas de papéis sociais como papéis sexuais, de família, de idade, profissionais e de classes sociais. Esse conceito é importante para que se perceba que muitos dos jovens que são aqui analisados tentam participar de alguma maneira dos contextos sócio-econômicos a que foram rejeitados ou até mesmo excluídos por questões aquém de sua capacidade cognitiva. No momento apropriado, esse viés voltará a ser analisado. Ser jovem no século XXI é um desafio semelhante ao ser jovem no final do século XIX e início do século XX. O conceito de família – representado pela presença de pai, mãe e filho – foi esvaziado e pode ser facilmente questionado com a forte presença da mulher como provedora da família, excluída a imagem do pai da formação desse núcleo ou ainda com a presença ausente de pais e mães numa realidade econômica que exige que as figuras adultas
  • 9. 9 que irão determinar a formação da criança ausentem-se durante muito tempo de casa, transferindo a responsabilidade da educação e da condução da criança para outrem. Em suas pesquisas Nascimento (2005) observou uma constante entre os adolescentes pesquisados: Eles lutam contra estes limites [dos pais] mas, às vezes, desejam ficar aliviados da responsabilidade de decidir quais são os riscos que devem correr, até onde podem seguir o grupo, até onde podem se aventurar no terreno sexual. A complacência dos pais e sua facilidade para ceder são, muitas vezes, interpretadas como falta de interesse (NASCIMENTO, 2005, p. 69). Ainda que as figuras parentais estejam presentes, a ausência de imposição de limites é questionada como um exemplo de falta de preocupação e comprometimento dos adultos: “o adolescente perde (ou, para crescer, renuncia) a segurança do amor que era garantido à criança, sem ganhar em troca outra forma de reconhecimento” (CALLIGARIS, 2000, p. 24). Há um processo altamente dinâmico para se discutir independência e autonomia desses jovens em relação aos pais. A autoridade parental, antes responsável pelo provimento de recursos e pela imposição de limites restritivos, está sendo reconfigurada dia a dia e a participação dela varia de acordo com os contextos em que estão inseridos esses jovens. Apesar da busca pelo lugar social e pelo papel social a que estão designados, os adolescentes/ jovens são subordinados – por questões econômicas, sociais, etc. – a aceitar o embate entre as gerações: A dinâmica entre autonomia e heteronomia presente na socialização familiar impõe que se faça a distinção entre duas dimensões do processo de individualização: a independência (auto-suficiência econômica) e a autonomia (autodeterminação pessoal) (BRANDÃO In ALMEIDA E EUGENIO, 2006, p. 84). Percebe-se que muitos desses jovens se consideram autônomos para tomar suas próprias decisões sobre os riscos que devem correr, mas continuam dependentes economicamente dos pais. Pedrazzzini (2006, p. 100) acertadamente levanta uma hipótese que justifica porque, ao mesmo tempo em que há uma determinada liberdade para os jovens, há um medo constante dos pais: “Constatamos um enfraquecimento das defesas tradicionais do sistema social, como os valores de solidariedade e os laços comunitários, já relativizados pelas sociabilidades contemporâneas”. Em resumo, a discussão que inclui violência urbana, degradação social e o medo do “outro” está sempre presente quando se fala da juventude atual. Novas configurações de sociabilidade atendem à demanda desses jovens por participar do mundo.
  • 10. 10 A adolescência é um período de grande interesse pelo mundo. O adolescente quer ganhar as ruas. Quer conhecer lugares estranhos, saber como vivem as outras pessoas. Quer se expandir e quer participar (KEHL, 2008, p. 49). É uma época de transição. Não se sabe qual papel social esse indivíduo deve ter. Há o interesse em experimentar novas sensações, experimentar o próprio corpo, porém os limites sociais impostos impedem que tudo isso seja vivido plenamente por eles: Articulando a crise ao conflito de papéis, apontam as contradições entre o papel da criança, ainda não de todo perdido, e o de adulto, não de todo acessível. As indefinições colocam o jovem numa situação análoga à do “homem marginal” (NASCIMENTO, 2005, p. 44) Após alguns anos vivendo como crianças, sendo treinados e moldados dentro dos certames da sociedade em que estão inseridos, esses indivíduos são agora jovens que se colocam como aptos a ingressar na vida adulta, porém o reconhecimento enquanto adultos é postergado, mesmo com a maturação física e sexual. Segundo Calligaris (2000, p.16), “uma vez transferidos os valores mais básicos, há um tempo de suspensão entre a chegada à maturação dos corpos e a autorização de realizar os ditos valores”. A partir dessa imposição social do papel de idade a que cabe ao adolescente, a rebeldia e o questionamento é um processo natural. Se eles estão aptos a passar para a vida adulta, por que não são reconhecidos como tal? 2.2 A REPRESENTAÇÃO SOCIAL DO JOVEM O estudo inaugural sobre cultura adolescente foi publicado em 1904, quando G. Stanley Hall publicou o livro Adolescence que propunha o estudo dessa classe social como uma classe que compartilhava interesses e problemas comuns. Daquele ano até os dias atuais, foram diversos os trabalhos que contemplavam os adolescentes como objeto de estudo, porém a presença desse agrupamento pode ser observada anteriormente à publicação do livro de Hall. Desde o último quartel do século XIX houve muitas tentativas conflitantes de imaginar e definir o status do jovem – fosse mediante esforços combinados para arregimentar adolescentes usando políticas nacionais, fosse a partir de visões proféticas, artísticas, que refletiam o desejo dos jovens de viverem segundo suas próprias regras. A narrativa [do livro] começa em
  • 11. 11 1875, com os escritos autobiográficos de Marie Bashkirtseff e Jesse Pomeroy, e termina em 1945; durante esse período, cada um dos temas agora associados ao teenager [grifo do autor] moderno teve um precedente vívido e volátil (SAVAGE, 2010, p. 11). Esses temas associados aos teenagers ou adolescentes discutidos por Savage (2010) no período que vai de 1875 a 1945, podem ser facilmente transportados para as realidades dos jovens atuais e é praticamente impossível não traçar paralelos entre os garotos delinquentes norte-americanos da década de 1920 com os atuais integrantes de agrupamentos juvenis que se reúnem para atos de rebeldia, violência e vandalismo. Gângsteres do Brooklin nova- iorquino nos anos da Lei Seca americana aliciavam menores assim como os chefes do tráfico de drogas nos grandes centros urbanos brasileiros arregimentam crianças e adolescentes para realizar trabalhos que, no caso de crianças e jovens, teriam como consequência uma pena mais branda caso sejam interceptados por organismos de fiscalização. Apanhada entre a exploração e a condenação, entre o prazer e o puritanismo, a geração da década de 1920 foi vítima precoce das atitudes contraditórias de seu país [EUA]. A juventude era um tema volátil para um experimento de massa não comprovado. Sob a imagem picante, pagã, pluralista do sheik e da sheba [grifos do autor], havia impulsos selvagens, indomados: o preconceito e as violentas iniciações nas fraternidades universitárias, o dano físico causado pelas bebidas contrabandeadas, a violência do gatilho ágil de jovens gângsteres competindo pelo controle do vasto mercado ilegal de bebidas alcólicas (SAVAGE, 2010, p. 234). Jovens sem perspectiva de futuro e mobilidade social – principalmente ascensão – tornam-se objetos de análise de sociólogos no período entre guerras (1918 – 1939) e o resultado indica que a problemática da época exigia a formação de grupos para sobrevivência, alguns com origem dentro do Estado e outros por confluência de interesses, receios e dificuldades. Savage (2010) relata em seu estudo sobre os pré-conceitos de juventude que grupos como Hooligans (Inglaterra), Boy Scouts (Estados Unidos) e Wandervogel (Alemanha) são exemplos de como os jovens foram organizados para sobreviver aos percalços de um mundo abalado pela ameaçada de guerra e as estratégias de sociabilidade utilizadas por líderes desses grupos para a manutenção dos integrantes. Novaes (In Almeida e Eugenio, 2006) discute que jovens com idades similares vivem juventudes diferentes, a depender de fatores como desigualdade social, gênero e raça. Ela cita ainda que, no caso do Brasil, o fator “endereço” é determinante para indicar para a sociedade quem é o indivíduo que está sendo avaliado. A questão da mobilidade social, antes obtida pela
  • 12. 12 educação, hoje já não determinante para o sonho juvenil do emprego. A educação deixa de ser uma garantia de futuro e passa a ser apenas um passaporte para o futuro. São disparidades como o acesso à educação que servem de parâmetro para que os jovens agrupem-se de acordo com os interesses comuns. Os conceitos da pesquisa de Savage são fundamentais para entender aquilo que pode ser visto hoje entre jovens já houve precedentes similares ou que permitem traçar linhas comparativas, mostrando que a juventude enquanto classe social, além de não ser estanque, não pode ser delimitada apenas a partir da fundação do termo teenager na década de 1940 pelos americanos. Ela é anterior aos movimentos culturais da década de 1950 e dificilmente pode ser dissociada dos contextos sócio-econômicos e culturais a que os jovens estão inseridos. Citando Novaes (In Almeida e Eugenio, 2006), “lembrar que „juventude‟ é um conceito construído histórica e culturalmente já é lugar comum”. Devemos partir de diálogos com segmentos da pesquisa como a sociologia, a antropologia e a psicologia para ampliar a discussão e delimitar qual o escopo de trabalho do objeto em análise. Em classificações gerais, podem ser considerados jovens aqueles nascidos há 14 ou 24 anos, por vezes dependentes economicamente de seus progenitores e que ainda não constituíram família. Porém limites rígidos já não são mais aceitos por organizações de saúde nem por pesquisas antropológicas e sociais. A idade de 14 anos era antes considerada como marco para o início da adolescência, e agora as crianças entram nessa fase da vida antes do 14º aniversário. O próprio conceito de adolescência perdeu sua força nas fases iniciais, sendo substituído pela nomenclatura de pré-adolescentes, começando em alguns casos desde os 10 anos e estendendo-se até os 15, a depender da exposição do indivíduo a informações cujas classificações etárias anteriores sugeriam para outras faixas de idade. Vejamos o exemplo citado por Nascimento (2006), em que a autora apresenta algumas justificativas para a evolução da discussão sobre temas considerados tabus e que hoje fazem parte do dia-a-dia de menores de 14 anos, como o sexo: (...) tem se falado muito na erotização da infância, responsabilizando a televisão pela precocidade com que meninas saltam etapas e assumem papéis adultos sem passar pela puberdade, se apaixonam, fazem dietas para emagrecer, desprezam brincadeiras e aprendem danças sensuais (NASCIMENTO, 2006, p. 193). O hábito de consumo da televisão e de outros veículos de comunicação como a internet permite que crianças tenham contato cada vez mais cedo com temas polêmicos e de difícil
  • 13. 13 abordagem para pais e adultos – os mesmos pais que encontram-se cada vez mais ausentes no dia-a-dia dos filhos. A precocidade da inclusão de determinados temas no repertório pode, inclusive, ser responsável pelo precoce amadurecimento físico de meninas e meninas – a menarca, a primeira ejaculação e a primeira „transa‟ acontecem cada vez mais cedo. Antes considerados como crianças, os pré-adolescentes entre 10 e 12 anos perdem aceleradamente o interesse por brincadeiras e costumes infantis e se inserem num mundo „adolescente‟ e até „adulto‟. Cada vez mais cedo, o sentimento da infância para alguns adultos já não existe em filhos e netos. A “pureza” e a “inocência” deram lugar a um boom de informações diversas sobre violência, sexo, saúde, etc. Em março de 2009, uma pequena cidade do interior do Rio Grande do Sul, Ibirubá, foi testemunha do efeito devastador da sexualidade precoce de uma menina de 11 anos com outros três garotos, um com 13 e os outros com 14 anos. Um vídeo da aventura dos adolescentes foi publicado na internet e a família da garota foi obrigada a mudar de cidade para preservar o futuro da criança.3 Para grande parte desses jovens, esses momentos iniciais da adolescência são o período mais complexo da formação identitária e que exigem a busca constante por parâmetros de comparação com seus pares e também com os adultos. Calligaris (2000) levanta claramente as interrogações existentes na mente adolescente: O pensamento é mais ou menos o seguinte: “Os adultos querem coisas contraditórias. Eles pedem uma moratória de minha autonomia, mas o resultado de minha aceitação é que eles não me amam mais como uma criança, nem reconhecem como um par esta „coisa‟ na qual eu me transformei. Talvez, para ganhar seu amor e seu reconhecimento, eu não deva então seguir a risca suas indicações e seus pedidos, mas descobrir qual é de fato o desejo deles, atrás do que dizem que querem. Em suma: de fato (e não só em uma das suas recomendações pedagógicas), qual é o ideal dos adultos, para que eu possa presenteá-los com isso e portanto ser por eles enfim amado e reconhecido como adulto?” (CALLIGARIS, 2000, p.26). Para fins jurídicos, existem dois exemplos citados como parâmetros para identificação de crianças, adolescentes e jovens por pesquisadores. O Estatuto da Criança e do Adolescente brasileiro, aprovado em 1990, delimita diferenças etárias entre crianças – até os 12 anos – e adolescentes – entre 12 e 18 anos -, enquanto a Organização das Nações Unidas (ONU) não traz essa distinção. Para o órgão internacional, existe apenas a classificação “jovens”, que compreende os indivíduos entre 15 e 24 anos, faixa considerada também por instituições de 3 Disponível em http://zerohora.clicrbs.com.br/zerohora/jsp/default.jsp?newsID=a2443409.htm&tab=00014&uf=1, acessado em 02 de maio de 2010.
  • 14. 14 pesquisa brasileiras como o Ibope e Ipsos/ Marplan (IWANCOW, 2009). Mesmo que existam tentativas de delimitar critérios básicos para a classificação da juventude, Iwancow (2009) resume bem essa dificuldade: (...) cabe-nos destacar que, em nenhum lugar, em nenhum momento da história, a juventude poderia ser definida segundo critérios exclusivamente biológicos ou jurídicos. Sempre e em todos os lugares, ela é investida de outros símbolos e outros valores (IWANCOW, 2009). Não há ritos de passagem definidos entre essas faixas etárias. Para muitos adultos, existe a constante preocupação sobre quais as portas – quais as opções – que os filhos escolherão ao deixar a infância. Kehl (2008) cita alguns exemplos de como as escolhas podem acontecer: São muitas as portas, e todas apontam apenas para um tempo de incertezas. A vida adulta, o que é? Temos medo de que nossos filhos entrem pela porta errada. Pela porta das drogas, por exemplo. Quem não sabe que fumar um baseado com os amigos é um dos grandes ritos de passagem da infância para a adolescência. Rito que pode ser bem inocente, aliás, a depender do contexto que o cerca (KEHL, 2008, p. 48). Para serem reconhecidos, seja como adolescentes, seja como adultos, os jovens incorporam atitudes e ações copiadas de seus pares ou de outros personagens que são identificados como ícones. Não se trata da busca pelo papel de herói ideal, mas da busca por um papel que seja reconhecido socialmente entre os outros jovens e entre os adultos. Ao compartilhar gostos e interesses, esses jovens podem ser identificados no meio de uma multidão uniforme a que julgam pertencer. Para serem diferenciados, optam pela participação em agrupamentos e associações que garantem uma identidade própria e que facilmente pode ser identificada. São as chamadas tribos, objeto do próximo capítulo. Sobre paralelos entre situações atuais e situações passadas, é interessante retomar Savage (2010) ao citar um trecho do livro Middletown de Robert S. Lynd e Helen Merrell Lynd: “Depois dos 12 ou 13 anos, o lugar ocupado pela família tende a recuar diante de uma combinação de outras influências formativas, até que, antes dos vinte anos, a criança é considerada uma espécie de adulto júnior, cada vez mais independente da autoridade dos pais” (SAVAGE, 2010, p.255). O livro citado foi publicado em 1929 e ainda hoje se percebe a atualidade do tema que tratou. Essas comparações permitem observar que os problemas enfrentados por jovens de outras décadas e de outros contextos podem ser facilmente atualizados para os dias atuais. Ainda que estas situações sejam consideradas cíclicas, é válido avaliar que quando os contextos sócio-
  • 15. 15 econômicos passam a ter certa equivalência, muito provavelmente os fenômenos envolvendo as classes sociais voltam a acontecer. As diferenciações exigidas pela sociedade fazem dos adolescentes e jovens um público potencial para a indústria da moda, responsável por elencar aquilo que “é preciso” ou “é necessário” para que sejam inseridas nos seus grupos. Assim, o surgimento de galeras foi estudado ao longo do último século e na primeira década do século XXI, há uma emergência do fenômeno dos bondes a que esse trabalho se dedica. Nascimento (2005) traz o relato da pesquisa psicossocial realizada na Universidade Federal da Bahia acerca da formação de subculturas juvenis: A busca por diferenciação que, assim como a busca de igualdade, faz parte do processo de aquisição de uma identidade, culmina na criação de subculturas com características peculiares. A elas os adolescentes expressam fidelidade, ajudam-se a seus costumes, chegando às vezes a um hiper conformismo – traduzido como inconformismo – que pode produzir conflitos com os pais (NASCIMENTO, 2005, p. 91). O conflito de gerações é sempre indicado como motivador para a construção do modelo de adolescente/ jovem rebelde. Os interesses divergentes e as condutas adversas ao que esperam os adultos fazem com que o choque entre pais e filhos funcione como uma alavanca impulsionadora das atitudes e ações dos jovens. Alguns desses pais, inclusive utilizam suas próprias experiências frustradas do passado para impor limites aos filhos. “O adolescente acaba eventualmente atuando, realizando um ideal que é mesmo algum desejo reprimido do adulto”, indica Calligaris (2000, p. 27). Continuando, Calligaris apresenta o fato de que esse desejo foi reprimido pelo adulto numa tentativa de esquecê-lo, por isso há o conflito quando o adolescente reativa esse desejo. Outra vez, há um retorno à eterna vontade do adolescente/ jovem de ingressar definitivamente no mundo adulto. Esse movimento, observado nas ações e nas atitudes cada vez mais precoces, terá reflexos diretos no consumo e nas ações desses quase adultos. Os desejos de consumo também servirão, então, como motivadores desse público potencial: O que é próprio ao desejo moderno é que, atrás de cada objeto desejado, sempre há um desejo de algo mais, de uma qualidade diferente: uma vontade de reconhecimento social – a qual nunca se esgota no objeto. Em outras palavras, o que é desejado é sempre instrumental para afirmar e constituir nosso lugar social (CALLIGARIS, 2000, p. 47).
  • 16. 16 Em suas pesquisas Nascimento (2005, p.67) observa que “muitos adolescentes tendem a reagir quando são tratados como crianças e agem infantilmente quando lhe são cobradas atitudes de adultos responsáveis”. Esse momento de transição é utilizado não apenas para justificar as atitudes rebeldes, mas para questionar quem são esses adolescentes e que papéis eles exercem em seus contextos sociais. Numa interessante analogia com o hábito de escutar música, Calligaris (2000, p. 53) comenta o objetivo geral dos adolescentes: “O adolescente oscila entre as caixas de som e viver de fone de ouvido. O recado é claro: ou te ensurdeço ou não te ouço”. Os ritos de passagem, que nunca foram claramente definidos, são substituídos pelas atitudes performativas dos jovens agrupados no que Pais (In Almeida e Eugenio, 2006, p.7) chamou de ilhas de dissidências. Esses grupos são, na verdade, uma forma de resistência à cultura imposta pela sociedade, mas que, na verdade, são diferentes instrumentalizações dos aspectos culturais explicitados pelos diversos suportes de comunicação. Observe o exemplo inicial da monografia com os filmes de James Dean. Mesmo hoje, adolescentes e adultos compartilham ídolos e ícones de idolatria, ainda que os adultos lutem para negar que compartilham essa atitude: (...) a imitação e a idolatria são formas básicas da socialização moderna; valem para adultos tanto como para adolescentes. No mais, trata-se, nessa crítica irônica, apenas do embate entre, digamos, estilistas como Prada e Giorgio Armani contra Tommy Hilfiger. Ou então de um ator como Leonardo DiCaprio contra Robert De Niro (CALLIGARIS, 2000, p. 52). O que Pais (In Almeida e Eugenio, 2006) chama de culturas performativas pode ser exemplificada através de movimentos musicais como o hip-hop e o rap, a cultura urbana do grafite e os esportes radicais. “Frequentemente o excesso traduz-se na superação de um limite visto como caminho de saída de um sistema cerrado (espaço estriado)”, refere-se Pais (In Almeida e Eugenio, 2006, p.14) ao caminho dos esportes radicais. Superar os limites impostos pela sociedade é uma das metas e o principal projeto da maioria dos jovens. Não existe então uma forma única de ser jovem. As maneiras podem variar de acordo com as realidades sócio-econômicas em que estão inseridos, com a localização espacial ou até mesmo com a inserção digital a que estão expostos. Ou seja, não há como indicar um modelo – e até mesmo alguns modelos – que sirva de base para os jovens. Alguns deles interpretam os modismos e se apropriam deles de maneiras diferentes, com representações sociais diferentes, mas que compartilham algumas características em comum. A partir de uma única apropriação
  • 17. 17 cultural, diferentes agrupamentos de jovens podem manifestar-se socialmente de maneiras distintas. Assim, há várias maneiras de “ser jovem”, como também “ser velho”, sem esquecer que essas próprias classificações não são dadas, e sim fenômenos socioculturais. No caso de nossa sociedade, apenas para exemplificar, basta pensar nas nebulosas fronteiras entre infância e adolescência, adolescência e juventude, juventude e maturidade, maturidade e velhice. Todas essas categorias e sua duração são discutíveis e sujeitas a constantes revisões, redefinições e reinterpretações (VELHO In ALMEIDA E EUGENIO, 2006, p. 194). Com a impossibilidade de delimitar quando começa e quando termina a adolescência por questões biológicas e jurídicas, cabe o reconhecimento dessa fase da vida como uma construção sócio-cultural, que varia de acordo com os contextos em que estão inseridos esses jovens. Para participar do contexto a que espera, os adolescentes buscam reconhecer-se como um adulto, talvez um desejo primordial, enquanto que parte dos adultos prefira estender essa fase transitória da vida. Na verdade, esse segundo fenômeno foi identificado muito recentemente e carece de mais referenciais bibliográficos. Iwancow (2009) apresenta os adultescentes – em inglês, kidults - como uma parcela do público consumidor que prolonga os hábitos adolescentes pela vida adulta e passam a se comportar como tais: Os adultescentes são reflexos de como a prática cotidiana cria novos grupos e compõem novas redes e sociabilidades, numa livre associação de valores, atitudes e comportamentos que originam ações táticas, aproveitando com habilidade as ocasiões de introduzir as novas maneiras de agir e de fazer, na busca de estilos de vida expressivos e livres (IWANCOW, 2009, p. 7). O final é tão difícil de ser delimitado quanto o início. Essa dificuldade advém da extensão do período de estudos, principalmente com as exigências de mercado por um profissional cada vez mais qualificado, que contribui para a manutenção dos jovens na casa dos pais até o término dos cursos de pós-graduação, mestrado e doutorado, em contraposição a antigas gerações, em que após o final da graduação os jovens passavam da dependência econômica dos pais para constituir família, utilizando o jargão popular “sair da asa dos pais”. A competitividade para inserção no mercado de trabalho exige a necessidade de constante atualização, além de altos níveis de especialização, como requisito básico para conquista de espaço no mercado de trabalho. Ainda assim, a condição juvenil – como etapa da vida que se situa entre a proteção socialmente exigida para a infância e a emancipação esperada na vida adulta – tem suas especificidades. Isso porque a experiência geracional é inédita, já que a juventude é vivenciada em diferentes contextos históricos,
  • 18. 18 e a história não se repete. Desta forma, para pensar a condição juvenil contemporânea, devemos que considerar a rapidez e as características das mudanças no mundo de hoje (NOVAES In ALMEIDA E EUGENIO, 2006 p. 119). Utilizar categorizações estanques sobre qual juventude é essa que está sendo discutida é tarefa ilógica. Como afirma Knauth e Gonçalves: Quem poderá resumir a juventude somente como um estado de rebeldia, de agitação, paixão, flexibilidade, incertezas, crescimento? Se o fizer, estará relegando outros modos de defini-la e vivê-la que são visíveis nas ruas, nas casas e nas escolas (KNAUTH E GONÇALVES In ALMEIDA E EUGENIO, 2006 p. 94). Ou nas palavras de Almeida e Tracy: Admitimos, porém, que o próprio conceito de juventude é de difícil definição, porque um dos aspectos mais característicos da contemporaneidade é justamente a disseminação de um “estilo de vida” jovem, para além das fronteiras etárias (ALMEIDA E TRACY, 2003, p. 21) Ou seja, qualquer tentativa de categorizar a juventude apenas como uma classe etária é uma tarefa sem sentido que nem mesmo pesquisadores da área de ciências sociais optam por fazê- lo. A ideia de juventude deve ser encarada como se fosse uma categoria que varia de acordo com as características e a cultura da sociedade em que está inserida. 2.3 JUVENTUDE BRASILEIRA, PERIFERIA E VIOLÊNCIA A juventude brasileira tem passado por transformações similares aos fenômenos enfrentados pelas classes juvenis em todo o mundo, o que permite traçar paralelos todo o tempo sobre os problemas e as dificuldades enfrentadas por eles. Apesar de não terem vivenciado um período entre guerras como em outros países – e um pós-guerra de grande repercussão dentro do território nacional – algumas centenas de jovens viveram o horror da repressão na ditadura militar e se organizaram em agrupamentos como uma maneira de resistir a ela – mesmo que de maneira secreta.
  • 19. 19 Apesar de não conviver com o fantasma da repressão hoje, os jovens brasileiros compartilham uma grande quantidade de medos com os jovens do mundo todo, como o medo do desemprego e o medo da morte, por exemplo. As expectativas de inserção no mercado de trabalho é um dos principais geradores de conflitos entre as gerações segundo Novaes (In Almeida e Eugenio, 2006, p. 109): “hoje, nas relações familiares, a incerteza quanto à inserção no mundo do trabalho tem um peso semelhante ao que a questão sexual, sobretudo para as mulheres, teve nas gerações passadas”. Para a pesquisadora, esse medo soma-se a outros tantos preconizados pelo espaço das grandes cidades: Em várias pesquisas, quando se pergunta aos jovens sobre os dois maiores problemas do país, eles mencionam “desemprego” e “violência”. Essas respostas permitem compreender um pouco mais os jovens de hoje: entre os medos citados por eles, aparecem em destaque o “medo da morte” e o “medo do futuro”. No medo do futuro se expressam os sentimentos de uma geração que se defronta com um mercado de trabalho restritivo e mutante (NOVAES In ALMEIDA E EUGENIO, 2006, p. 110). Esses medos foram transportados para as relações sociais, que se constroem com grande influência dessas situações. O medo da violência exige que os lugares frequentados sejam cada vez mais seguros – ou, ao menos, pareçam ser mais seguros – e espaços de convivência ficam reduzidos a um pequeno leque de opções. O endereço – como será visto posteriormente – será um diferencial preponderante para uma contratação e até mesmo para os ambientes que a sociedade “autoriza” que o jovem participe. Novaes (In Almeida e Eugenio, 2006) faz ainda uma distinção interessante entre dois tipos de jovens, muito comuns no cotidiano das grandes cidades, os “jovens de projeto” e os “jovens de periferia”. Apesar de não serem categorias totalmente excludentes, pode-se afirmar que há um tratamento diferenciado a depender de qual delas o jovem está inserido. Principalmente no relacionamento com categorias sócio-econômicas com poder aquisitivo mais alto que o do círculo social dos jovens. Mas essas categorias são, sobretudo, demarcadores de uma identidade esperada, ou de um horizonte de expectativa criado pelo restante da sociedade em relação aos jovens que residem nos bairros considerados periféricos. Os “jovens de projeto” são aqueles que foram beneficiados por algum projeto social e que de alguma forma ampliaram as opções de inserção no mercado de trabalho, seja através de cursos profissionalizantes ou de uma melhoria na qualidade da educação, através de ações de inclusão digital ou através do esporte, etc.. Esse critério serve para diferenciar jovens dentro
  • 20. 20 de um mesmo contexto social que, segundo a autora, pode ser observado quando há a necessidade de escolha entre os termos para identificar o local de residência: (...) pesquisas demonstram que os jovens de áreas pobres e violentas do Rio de Janeiro têm suas próprias estratégias de usar (ou não) as palavras “favela” e “comunidade” com interlocutores diferentes. Em certas ocasiões, frente ao poder público ou a organismos não-governamentais, falam que são da “favela tal”. (...) Em outras situações, frente a outros interlocutores, os jovens se referem ao lugar onde moram como “comunidade”, apontam para o estigma da palavra “favela” e utilizam um código de classificações próprios das redes de “trabalho comunitário” (NOVAES In ALMEIDA E EUGENIO, 2006, p.112). Já os “jovens da periferia” têm o estigma do espaço onde moram como determinante para a classificação identitária. A palavra periferia não se refere apenas ao espaço geográfico a que estão inseridos. Refere-se à identidade construída ao longo dos anos, com efeitos nos estilos, estéticos, vínculos sociais e laços afetivos (Novaes In Almeida e Eugenio, 2006). Esses jovens incorporam elementos da cultura do hip hop – questionadora dos valores e das normas sociais vigentes em sua essência – e utilizam no cotidiano, em alguns casos com relacionamentos estreitos com o crime organizado e o tráfico de drogas. Entre outros elementos, o hip hop agrega o rap (música), o break (dança) e o grafite (artes plásticas) como características essenciais. “O hip hop pode ser pensado como um movimento de expressão cultural que produz efeitos políticos”, afirma Novaes (Novaes In Almeida e Eugenio, 2006, p. 117). Essas expressões culturais dos “jovens da periferia” terão impacto direto nas relações sociais por ele construídas e nos espaços de sociabilidade por eles selecionados para existirem enquanto seres sociais. A marca identitária fica tão fortalecida que permite que agrupamentos juvenis incorporem seus elementos e façam uma utilização diferenciada, ainda que tenha o mesmo objetivo da apresentação desse jovem como um ser social. Trata-se da apropriação de elementos de uma cultura marginal que possui reflexos diretos no reconhecimento daqueles indivíduos como um agrupamento e, por consequência, na identificação das características dele, como será visto nos garotos e garotas que formam os bondes juvenis – detalhados no capítulo três.
  • 21. 21 3.1 CAPÍTULO 2 - PAPÉIS E REPRESENTAÇÕES DA JUVENTUDE CONTEMPORÂNEA Para falar sobre sociabilidade juvenil é importante citar a obra de Maffesoli (2006) sobre a sociedade das tribos. O conceito inaugurado pelo autor remete a sociabilidade juvenil à ideia de tribos primitivas e permite que sejam percebidas algumas diferenças fundamentais entre os agrupamentos sociais e, nesse caso específico, os agrupamentos sociais juvenis. Segundo o autor, ao compartilhar interesses, indumentárias, vocabulários, etc. os jovens sentem-se parte de um grupo e dividem de alguma forma as tarefas e as estruturas hierárquicas de uma tribo indígena, por exemplo. Ainda assim, o conceito de tribo exigiu as adaptações necessárias e o autor passou a classificar as tribos urbanas como neotribalismo que “é caracterizado pela fluidez, pelos ajuntamentos pontuais e pela dispersão” (MAFFESOLI, 2006, p.132). As práticas e rituais específicos, assim como as reflexões que esses jovens fazem do seu cotidiano, fazem parte, portanto, de uma estratégia de autodefesa para enfrentar as dificuldades do dia-a-dia. É certo que ao observar que seus pares reagem de maneira similar ou que compartilham as mesmas experiências de disputa por território e por atenção, facilmente esses jovens incorporam-se a esses agrupamentos. Talvez seja a diferença entre a moral imposta pela sociedade e pela figura parental e a moral partilhada e construída por semelhantes é que desperte nos jovens essa necessidade do ideal de estar-junto. A confiança que se estabelece entre os membros do grupo se exprime por rituais, de signos de reconhecimento específicos, que não têm outro fim senão o de fortalecer o pequeno grupo contra o grande grupo. Sempre esse duplo movimento formulado supra; da criptolalia erudita ao “verlan” (linguagem al reves) de nossos malandros, o mecanismo é idêntico: a partilha secreta do afeto, ao mesmo tempo em que confirma os laços próximos, permite resistir às tentativas de uniformização (MAFFESOLI, 2006, p. 159). A noção de pertença é essencial para esses jovens e fazer parte de algo, tomar partido de uma causa, os fazem sentir-se mais próximos da concepção que eles têm de “ser adulto”. Ao mesmo tempo em que não é permitido ser criança, não é permitido que eles adentrem no mundo dos adultos. O resultado disso é que o limbo a que estão destinados os adolescentes é um ambiente hostil e quase sempre desvinculado dos limites parentais. Ao participar de um grupo, o adolescente/ jovem nega a existência de alguns valores que são impostos pela
  • 22. 22 sociedade e gera seus próprios valores, criando uma cultura própria, muitas vezes considerada marginal. Movidos pela necessidade de consolidar no grupo a ideia de pertencimento, as turmas de jovens “organizam-se” com objetivo de deixar marcas territoriais. Essa necessidade de “registro social” no mapa “oficial” é que vai ensejar entre as galeras a mobilização de práticas de violência (DIÓGENES, 2008, p. 105). Então, é preciso retomar a teoria dos papéis, citada no começo do capítulo um dessa monografia. Apresentada pela psicologia social, essa teoria vai justificar o porquê desses jovens se comportarem de uma forma pré-elaborada – talvez até mesmo previsível. Os adolescentes/ jovens estão numa etapa da vida em que os papéis sociais de gênero e idade estão indefinidos, ou melhor dizendo, estão numa fase de descobertas constantes e de frustrações na mesma frequência. Para que aconteça a sociabilidade, tratada por Maffesoli como socialidade, é importante que se perceba a importância dos papéis sociais de cada indivíduo: A pessoa (persona) representa papéis, tanto dentro de sua atividade profissional quanto no seio das diversas tribos de que participa. Mudando o seu figurino, ela vai, de acordo com seus gostos (sexuais, culturais, religiosos, amicais) assumir o seu lugar, a cada dia, nas diversas peças do theatrum mundi [grifos do autor] (MAFFESOLI, 2006, p. 133). Ou seja, semelhante a um espetáculo teatral, cada um interpreta um personagem – ou diversos personagens – para integrar o contexto em que está inserido. Essa ideia corrobora com a noção de representação social que identifica que um determinado indivíduo possui uma representação construída a partir do papel que ele desempenha no círculo social. A sobrevivência exige que esses papéis não apenas sejam construídos, mas que sejam mantidos, pelo menos nos instantes em que o indivíduo está participando desse ou daquele determinado grupo. A fluidez do neotribalismo citada por Maffesoli é a convenção teórica para identificar que os hábitos e maneiras de agir são adaptadas de acordo com o momento e com o grupo que está representando naquele espaço. Outros autores corroboram com o conceito de tribo proposto por Maffesoli: Tribo evoca o “primitivo” e designa grupos concretos com ênfase não em seu tamanho mas nos elementos que seus integrantes usam para estabelecer diferenças com o comportamento normal: os cortes de cabelos e tatuagens de punks, carecas, a cor da roupa dos darks e assim por diante (MAGNANI In DIÓGENES, 2008, p. 57).
  • 23. 23 Ao apropriar-se de padrões comportamentais pré-existentes, os jovens acreditam que “as coisas sempre foram assim, devem continuar sendo assim”, como identifica Nascimento (2005, p. 35). Entretanto, ao assumir um determinado papel já estabelecido ou ao adotar um script pré-determinado, esse jovem corre o risco de perder suas características pessoais, reduzindo-se “a um mero intérprete de um texto decorado” (NASCIMENTO, 2005, p. 36). As turmas de jovens, embora busquem formas de expressão estética referendadas no consumo de massa, são os atores sociais que mais parecem expressar diferenças, tendo por base a noção compactuada de território e a construção de códigos culturais compartilhados apenas entre os “enturmados” (DIÓGENES, 2008, p. 57). O conteúdo dessas interpretações de papéis varia de acordo com o contexto em que estão inseridos. Por vezes, há a presença marcante de estereótipos nos meios de comunicação, com destaque à TV, que consegue massificar – ou ao menos amplificar – uma determinada moda ou conceito. Ao desempenhar um determinado papel social, um indivíduo o integra à sua personalidade, permitindo que sejam feitas análises do lugar social que ele ocupa. Alguns autores, cita Nascimento (2005), indicam que a personalidade não incorpora os papéis interpretados pelos indivíduos. Outros, porém, acreditam que a personalidade nada mais é do que o produto dos papéis sociais desenvolvidos. Essa discussão não compete ao presente trabalho, porém é válido salientar que existem diversas vertentes para análise da teoria dos papéis. Na verdade, o que os jovens buscam é, sob uma ótica mais simples, pertencer a algum grupo ou se inserir num contexto que permita que eles sejam reconhecidos como seres sociais capazes de se relacionar com os outros. Ser alguém com os outros e ser alguém como os outros. Ao interpretar papéis, os indivíduos admitem as regras de conduta especificadas pelos agrupamentos a que fazem – ou gostariam de fazer – parte. E esses grupos são, na verdade, a reunião das expectativas compartilhadas por esses indivíduos, mesmo que não haja algum tipo de formalidade no agrupamento: Grupos formais e informais são frequentemente constituídos pelas expectativas que lançam sobre seus integrantes. Ao fazê-lo, excluem quem eles presumem não viver segundo tais requisitos. Quando esses hiatos de compreensão se instalam entre os grupos, costumam ser preenchidos por suposições estereotípicas. Assim, é possível afirmar que o fato de podermos nos ajustar às condições de atuação no interior do grupo limita nossa liberdade, ao nos impedir de realizar experiências pobremente mapeadas e imprevistas, encontradas para além dos limites do grupo (BAUMAN, 2010, p. 37).
  • 24. 24 O embate entre liberdade individual e desejo coletivo citado por Bauman (2010) é o mesmo levantado pelos autores comentados por Nascimento (2005). Ao reafirmar a existência do agrupamento e assumir os papéis por ele exigidos, os indivíduos negam características pessoais – ou ao menos as omitem – caso não haja a permissão para mantê-las. Por isso, observa-se que existe a necessidade da interpretação de vários papéis distintos, a depender do contexto e do grupo a que se deseja pertencer. Esse desejo nada mais é do que a própria representação humana enquanto ser social que necessita estar com outro para existir. Não seria estranho, inclusive, afirmar que tais papéis são as projeções do “eu” que equivalem aos objetos de estudo da psicanálise. Ao fazer escolhas do cotidiano, o indivíduo registra a tentativa de agradar – ou pelo menos não desagradar – outros que estão no seu contexto e que dependem desse jogo para aceitá-lo – ou não – como integrante de um agrupamento. Além de satisfazer expectativas dos outros, é necessário também que as próprias expectativas sejam satisfeitas e assim sejam construídos os laços do pertencimento, imprescindíveis para a manutenção do indivíduo como integrante desse ou daquele determinado grupo. Com o grupo devidamente escolhido, as características dele passam a ser reproduzidas, com as liberdades e constrangimentos que são cabíveis, dentro do que faz parte do horizonte de expectativa do grupo. É o que Bauman (2010) chama de grupos de referências: Trata-se de grupos em relação aos quais medimos nossas ações e que fornecem os padrões a que aspiramos. O modo como nos vestimos, falamos, sentimos e agimos em diferentes circunstâncias constitui traços conformados por nosso grupo de referência (BAUMAN, 2010, p. 46). É interessante frisar que, apesar de tratar o pertencimento aos grupos como uma questão de escolha pessoal, nem sempre é possível afirmar que essas escolhas sejam conscientes. Há, por mais ínfimo que possa parecer, uma condução de determinadas características que fazem parte do contexto social a que estão inseridos e que não são facilmente alteradas. Lógico que alguns desses indivíduos conseguem discernir que até mesmo estas escolhas podem ser conscientes e passam a negar as características que julgam pouco adequadas aos seus contextos sociais – e esse fato pode ser considerado uma justificativa para certa rebeldia ou inadequação aos parâmetros exigidos pela sociedade. Alguns grupos, entretanto, apesar de fazerem parte do círculo social e responderem às ações dos indivíduos podem não fazer parte de um grupo de referência. As reações e posturas podem ter certa influência no indivíduo, mas não são determinantes para que sejam feitas
  • 25. 25 escolhas sobre hábitos e costumes. Bauman (2010, p. 46) cita como exemplo a família, os amigos, professores e chefes de trabalhos. Para que a influência seja observada – ou presente – é preciso “algum grau de consentimento para que um agrupamento se transforme em grupo de referência”. 3.2 A CONFIGURAÇÃO DA SOCIABILIDADE NAS REDES SOCIAIS Um importante conceito que deve ser tratado ao falar de sociabilidade são as redes sociais. Apesar do alarme feito com os sites e sistemas online de relacionamento, algumas características das redes sociais advêm de uma época bem anterior ao nascimento da internet. Para falar sobre elas, é necessário retornar ao conceito de redes. Os primeiros estudos especializados sobre redes datam do século XVIII, quando o matemático Ëuler propôs que os pontos de acesso à cidade prussiana de Königsberg eram como arestas e os lugares conectados por ela eram chamados de nós (Recuero, 2004). O primeiro teorema dos grafos, como ficou conhecido, foi fundamental para o desenvolvimento dos estudos que faziam a análise estrutural de redes sociais, quando, por analogia, as pessoas eram considerados nós e as relações entre elas as arestas – exatamente como propôs o matemático para um problema físico. Apesar de ter como berço a matemática, o teorema de grafos foi incorporando informações de outras áreas das ciências, como biologia, física e, posteriormente, a sociologia, que fez a incorporação que permite tratar de redes sociais. Qualquer relação entre dois indivíduos poderia ser considerada como uma rede – conhecido como dríade -, porém alguns autores defendem que só seria permitido tratar como tal a partir da formação das tríades, onde existe sempre um nó conector entre duas relações distintas. Não cabe a esse trabalho, entretanto, afirmar qual a maneira mais adequada para se avaliar o nascimento de uma rede, mesmo porque o objeto de estudo, os agrupamentos juvenis, se caracterizariam como redes em qualquer uma das situações. Existem alguns aspectos adequados para análises dos agrupamentos juvenis sob a ótica da teoria de redes. Um deles seria a análise da topologia da rede, ou seja, de como esses nós se
  • 26. 26 comportam e qual a densidade do sistema. Para efeitos de pesquisa, os agrupamentos juvenis que são objeto de estudo da presente monografia poderiam ser indicados através da classificação de redes sem escalas. Segundo Barabási e Albert (1999), citado por Recuero (2009), as redes possuem um padrão de organização aleatório que apresentam uma ordem dinâmica de estruturação. Para os autores, existem muitos nós que possuem poucas arestas, enquanto uma minoria concentra uma grande quantidade, como um pequeno centro de distribuição de relações – hubs ou conectores. Esses hubs e conectores teriam uma conexão preferencial e, no caso dos agrupamentos juvenis, equivalem aos líderes dos grupos, que exercem algum tipo de poder para influenciar os demais integrantes dos agrupamentos. Algumas propriedades listadas por Recuero permitem analisar as redes formadas pelos agrupamentos juvenis de uma maneira mais complexa e extensa, principalmente quando analisada a presença de líderes e de uma estrutura hierarquizada de comando, além do que se pode considerar o sistema formado por esses jovens como uma rede altamente complexa que se sobressai às arestas e relações dentro dessa rede. O objeto de estudo desse trabalho comprova que essa característica é realmente formadora da rede e estende ainda mais a questão. Alguns dos integrantes de uma determinada rede, além de partilhar dos interesses desse agrupamento, eles participam de outros agrupamentos e redes. É interessante também trazer à tona a discussão sobre a intensidade dos laços que são construídos dentro de uma determinada rede. Essa intensidade pode ser utilizada para avaliar também a sociabilidade dos indivíduos, pois determina o grau de proximidade no relacionamento entre eles. Os laços fracos são aqueles que apresentam ligação sem vínculos mais profundos, muitas vezes ligados a aspectos superficiais de uma determinada rede. Esses laços são fundamentais porque normalmente eles são os responsáveis pela ligação entre redes, que potencializa as conexões e as interações futuras. Podem ser observados em qualquer ambiente ou contexto em que o indivíduo está inserido e é facilmente notado em relações de trabalho, por exemplo, que se limitam estritamente ao ambiente profissional. O outro caso, entretanto, apresenta-se como mais fundamental para a construção da sociabilidade, pois se refere aos laços fortes que são formados a partir de interações constantes e que se estendem além de um contexto determinado pela rede. Existem diversos exemplos que podem auxiliar no entendimento de laços fortes como as amizades que, muitas vezes, partilham os mesmos interesses e os mesmos espaços geográficos, participando de círculos sociais como o ambiente de trabalho e as opções de lazer.
  • 27. 27 3.3 SOCIABILIDADE E FRONTEIRAS DE CIRCULAÇÃO As mais variadas transformações que a sociedade passou nos últimos 40 anos, desde a revolução sexual da década de 1960 e os movimentos de contracultura, por exemplo, alteraram profundamente as estratégias utilizadas pelos estratos sociais para sociabilidade. A juventude, enquanto classe heterogênea, repleta de diferenças e vicissitudes típicas do seu agrupamento difere dos demais segmentos sociais em que estão inseridas. Contextualizando as modificações, Feixa (In Costa e Silva, 2006) busca, nas pesquisas de V. Woolf e H. Wulff, apresentar a participação física do quarto de adolescentes e jovens como espaço de socialização. A primeira, com a publicação de A Room for One’s own de 1929, em que o quarto (com destaque ao das jovens) aparece como espaço para construção de suas identidades e a segunda, já na década de 1980, apresentando as modificações que o contexto econômico irão produzir na oportunidade de mais jovens possuírem seu próprios espaço de identidade, seus próprios quartos. O importante na análise do quarto dos jovens como espaço para construção identitária permite que verifiquemos que, munidos de seus próprios espaços, os jovens irão utilizá-lo para sociabilidade com amigos. “Alguns pais, no entanto, adotavam outra prática, convidando os amigos dos filhos para freqüentarem suas casas, tendo com isso a ideia de que os mantinha sob controle” (COSTA E SILVA, 2006 p. 154). Dentro de seus próprios espaços, algumas vezes forçados pelos pais em decorrência do aumento significativo da violência urbana, o jovem buscará utilizá-lo da maneira mais adequada que lhe couber. Feixa (In COSTA E SILVA, 2006, p.106), ao fazer a análise de caso de uma família de classe média espanhola, verificou que o jovem de 19 anos analisado “tranca-se nele [no próprio quarto] para jogar, fazer trabalhos manuais, ginásticas, para escutar música, ler revistas, receber chamadas e mensagens de sua namorada pelo celular”. Utilizado por Feixa (In COSTA E SILVA, 2006), o estudo desse caso pode servir como parâmetro para outras análises, mesmo que sejam analisadas famílias em diferentes contextos culturais. O processo de globalização e a erupção de fronteiras nacionais provocam a convergência de análises de diferentes casos com resultado parecido. Caso a família analisada fosse deslocada da Espanha para o Brasil, verificando-se certa semelhança entre os contextos econômicos, é possível obter as mesmas diferenciações em relações a gerações anteriores.
  • 28. 28 Esse quarto a que estamos nos referindo é completamente atípico para os jovens das periferias dos grandes centros urbanos. Ao citar que o quarto dos jovens compõe um espaço extremamente fundamental para a construção da sua identidade enquanto ser social, a inexistência desse espaço personalizado serve de justificativa, ou ao menos pano de fundo, para a busca por alternativas para a sociabilidade e para a construção identitária dos jovens. Almeida e Tracy (2003) trazem uma importante discussão entre as diferenças entre lugar e espaço, fazendo referências a diferenciação conceitual proposta por Michel De Certeau. Essa distinção é necessária para reconhecer a importância que cada um dos conceitos terá na conformação dos agrupamentos. No caso dos agrupamentos juvenis, existem os lugares escolhidos como pontos de encontro e de existência física dos movimentos, porém esse lugar é transformado no espaço de identidade, semelhante ao debate sobre o quarto dos adolescentes referido anteriormente. “(...) o espaço é composto por uma multiplicidade de histórias, percebe-se que nada poderia ser a um só tempo mais ordenado e mais caótico que o espaço, com todas as suas justaposições inusitadas e efeitos emergentes involuntários” (DE CERTEAU In ALMEIDA E TRACY, 2003, p. 28). Um espaço nada mais é do que a representação social do lugar escolhido pelos agrupamentos para sua manifestação de estilo, hábitos, etc. Ao fazer a opção de um lugar físico para realizar seus encontros e reuniões, os grupos juvenis fazem a escolha de qual local geográfico eles devem existir, adaptando ou procurando adaptar-se a esse espaço, tentando de alguma forma colocar um pouco de sua identidade nele – no caso de espaços públicos, a manifestação pode ser através da negação de autoridades ou até mesmo pelo compartilhamento de vestes e gírias, por exemplo. Esse espaço é uma das principais ferramentas que o adolescente/ jovem encontra para caracterizar a própria identidade, tão necessária e requerida para a inserção desse jovem no círculo social. Ao organizá-lo da maneira que julga mais apropriada ou através da negação de uma autoridade que compõe aquele espaço, o adolescente tenta apresentar ao mundo a própria personalidade – ou seja, as representações sociais que ele interpreta para fazer parte desse mundo. A composição dos papéis selecionados por ele numa tentativa de inserir no contexto social depende – também – do espaço identitário que ele utiliza como seu. A escolha desse espaço, entretanto, é cada vez menos aleatória e depende consideravelmente da situação sócio-econômica do lugar geográfico em que estão inseridos. Almeida e Eugenio
  • 29. 29 (2006) apontam um critério de diferenciação cada vez mais comum nas seleções de emprego e que não deixa de ser uma manifestação de preconceito social: O endereço faz diferença: abona ou desabona, amplia ou restringe acessos. Para as gerações passadas esse critério poderia ser apenas uma expressão da estratificação social, um indicador de renda ou de pertencimento de classe. Hoje, certos endereços também trazem consigo o estigma das áreas urbanas subjugadas pela violência e a corrupção dos traficantes e da polícia – chamadas de favelas, subúrbios, vilas, periferias, morros, conjuntos habitacionais, comunidades (ALMEIDA E EUGENIO, 2006, p. 106).4 Além de ser um critério de diferenciação para inserção no mercado de trabalho, o endereço fará diferença na escolha dos espaços que os agrupamentos juvenis terão autorização de compartilhar. Numa interpretação mais geral, pode-se observar que parte da sociedade encara que os agrupamentos ou até mesmo os jovens devem permanecer dentro do espaço geográfico a que foram destinados por sua condição sócio-econômica. Não se trata, entretanto, de uma afirmação elitista ou preconceituosa, mas apenas a constatação de que, mesmo os próprios jovens, compartilham a ideia que existe um espaço a eles destinado. Talvez por isso, no caso dos bondes juvenis – que serão apresentados mais profundamente no próximo capítulo – ocorra a negação e a contestação do espaço que eles julgam ter sido escolhido pela sociedade, levando a ruptura das barreiras sociais invisíveis criadas. A origem desse preconceito pode ser justificada como resultado do aumento da violência nos espaços urbanos – no século XXI, pela primeira vez na história da humanidade, a população urbana superou a população rural. Uma afirmação de Pedrazzini (2006) resume e corrobora com o pensamento da maioria da população: “os fenômenos de violência das grandes cidades e o sentimento de insegurança dos seus habitantes são indicadores e fatores de uma transformação radical do espaço urbano” (PEDRAZZINI, 2006, p. 99). A transformação radical a que se refere Pedrazzini é a retaliação/ reordenamento dos espaços de convivência dos indivíduos, transformando-os muitas vezes em prisioneiros dentro da própria residência. Além das casas com esquemas de segurança, parte da população busca, nos espaços de convivência, a noção de segurança que lhe é permitida dentro dos lares. Essa busca, em alguns casos, desmedida transforma locais de trabalho em celas e os espaços públicos em locais de constante vigilância. Se um determinado lugar não permitir a noção de segurança exigida, ele não fará parte do espaço de convivência dos indivíduos. Por isso, um 4 O endereço da moradia tem sido indicado como um fator determinante em algumas pesquisas sobre emprego. Esse quesito não é apenas um critério para eliminação de jovens que tentam se inserir no mercado de trabalho, mas também de adultos e outros profissionais.
  • 30. 30 movimento bastante comum é a substituição da antiga praça da grande cidade pela praça de alimentação dos shoppings centers, onde a noção de segurança é maior: Os esforços de manutenção da estabilidade social produzem cidades e redes de sociabilidade “maquiadas” de ordem e segurança. Vias de passagem, não permitidas para pedestres, locais públicos de extrema luminosidade e pontuados por esquemas de segurança. Os shopping centers expressam o cenário por excelência do sonho idílico da segurança na sociedade de consumo. Espaços zoneados, espaços segregados (DIÓGENES, 2008, p. 82). Esse cenário das cidades violentas é, porém, bem mais recente do que o medo vivenciado pelas pessoas. É correto afirmar que a violência sempre existiu dentro da sociedade, mas nos últimos anos o acesso a informações sobre ela só possibilitaram um aumento constante da sensação de receio sobre quem é o próximo: (...) a imagem da cidade caótica, dividida, cruel e perigosa foi instaurada no imaginário coletivo há dez ou vinte anos. Talvez ela tenha sido reinstaurada no cenário urbano e na mente dos habitantes desde que alguns arranha-céus da mitologia metropolitana desabaram na terra roubada dos índios de Manhattan (PEDRAZINNI, 2006, p. 59). A dinâmica do medo não se resume a questão de movimentos terroristas ou envolvendo centenas ou milhares de pessoas. O medo nos grandes centros urbanos faz parte do cotidiano e pode ser observado em qualquer integrante da sociedade em qualquer espaço utilizado para pesquisa. “Os habitantes urbanos não conseguem mais distinguir as violências que os assustam, tampouco identificar o “inimigo” ou o “agressor””, indica Pedrazzini (2006, p. 100). Se não conseguem identificar quem são esses atores, por que então ter medo? Nas grandes cidades, há o estigma do pobre – jovem pobre - como marginal. Esse estigma evoluiu a partir do preconceito social criado pela sociedade para dividir as cidades em blocos, principalmente com a emergência do fenômeno das favelas. No caso brasileiro, mais especificamente, a dificuldade de conhecimento de quem são especificamente os atores da violência, gera o preconceito com o endereço, por exemplo. A violência pode ser resumida como uma manifestação das políticas sociais e econômicas desenvolvidas por aqueles que controlam o poder: Seria um erro, do ponto de vista científico e não ideológico, separar o estudo da violência urbana do estudo da cidade com o espaço de conflito e poder, separar as questões de luta contra a insegurança das questões que se referem ao desenvolvimento da economia política da segurança, assim como pensar que implantação da segurança do território não está diretamente ligada aos interesses imobiliários, em que a polícia desempenha os papéis de consultor
  • 31. 31 em investimentos, especialista em segurança e investidor bem-sucedido, na medida em que a população carcerária aumenta (PEDRAZZINI, 2006, p. 115). O medo da violência é tamanho que os espaços públicos mais frequentados são, na verdade, uma maquiagem para esconder um espaço privado. Esse processo, que Pedrazzini chama de fragmentação de espaços é uma prova da reconfiguração exigida pelas divergências sócio- econômicas entre os integrantes dos espaços urbanos e terão reflexo direto no relacionamento entre pais e filhos, os primeiros reduzindo os ambientes de convivência a fim de reduzir a exposição à violência. Por isso o papel tão importante do quarto dos jovens para a construção identitária dos adolescentes (FEIXA In COSTA E SILVA, 2006). Limitados fisicamente a espaços altamente restritivos, os jovens passam a desenvolver novas estratégias para interagir e permanecer em contato com outros pares, no eterno espetáculo da vida, lutando para ter a identidade reconhecida não apenas por outros jovens, mas, especialmente, pelos adultos, a quem tão incessantemente buscam negar ao mesmo tempo em que tentam atingir às expectativas por eles criadas (situações citadas no capítulo um dessa monografia). 3.4 GALERAS, GANGUES, EQUIPES E BONDES Entre as formas de sociabilidade entre os jovens, Diógenes (2008) faz uma diferenciação importante entre dois tipos de agrupamentos juvenis em que podem ser classificados os bondes juvenis. Trazendo a reflexão sobre “galera” e “gangue”, a pesquisadora alerta que se trata de uma fronteira tênue e que facilmente pode ser quebradas no caso de grupos do Rio de Janeiro e de Fortaleza. Em Salvador, apesar da nomenclatura “gangue” não ser tão usual na sociedade, na forma com que se configuram os encontros dos bondes pode-se facilmente depreender que eles podem ser reconhecidos como tal. Diógenes coloca que a popularização dos bailes funk foi fundamental para a expansão das galeras nas periferias das grandes cidades brasileiras, com a formação de turmas de jovens para a realização de agitos nas áreas urbanas. Quando essas galeras passaram a extrapolar os
  • 32. 32 ambientes circunscritos para a realização de bailes, “representando os espaços de moradia” como forma de destaque para conquistar o respeito de outras galeras, houve a associação entre essas galeras e a violência (DIÓGENES, 2008). Movidos pela necessidade de consolidar no grupo a ideia de pertencimento, as turmas de jovens “organizam-se” com o objetivo de deixar marcas territoriais. Essa necessidade de “registro social” no mapa “oficial” é que vai ensejar entre as galeras a mobilização de práticas de violência. (...) Quando as galeras se apresentam como “corpos em evidência”, mobilizados por práticas de violência, as denominadas “guerras de meninos” passam a ser registradas como estratégias de ação de gangues (DIÓGENES, 2008, p. 105). As distinções, entretanto, não são facilmente percebidas. Na verdade, as diferenças estão no referencial de quem observa e analisa o fenômeno. Os próprios integrantes das galeras e das gangues trazem conceitos de diferenciação não muito claros, conforme depoimentos colhidos por Diógenes (2008, p. 108): Porque gangue mesmo não é aqui, é só fora mesmo quando a gente vai para uma festa, até os policial considera como gangue. Só fora, porque aqui dentro mesmo não tem (Componente da Galera da Quadra). Gangue quem chama a gente são os de fora. Gangue quem chama é jornalista, é jornalista quem chama. A gente chama de galera, galera da quadra. Essa ideia de galera não tem essa de ser certinha e a outra não! Galera é galera e quer dizer uma turma de jovens reunida, galera quer dizer reunião de pessoas. Se me perguntarem se é uma gangue? Eu digo, gangue é de padre, é um monte de padre junto, ou uma gangue de polícia que é um monte de policial junto. Só chama a gente de gangue aqueles que têm raiva, aqueles que são otário (Integrante da Galera da Quadra). O que se percebe é que o modo como são encarados os agrupamentos é fundamental para a sua construção identitária. O “olhar de fora” faz parte das escolhas e das formas de representação escolhidas pelos integrantes do grupo como expressão desses jovens. Os bondes juvenis vão seguir a mesma lógica de raciocínio: se não me reconhecem como um grupo, eu preciso realizar ações que me permitam ser reconhecido. Muito provavelmente essa estratégia seja reflexo da estrutura sócio-econômicas a que estão submetidos e que desejam romper. Outra justificativa, citada por Diógenes, são os limites entre exclusão social e violência. Para a autora, a juventude, por sua estrutura fragmentada e não totalmente formada, num período de transição entre a infância e a maturidade, é mais susceptível a ausência de referenciais. Tanto que muitos deles buscam esses referenciais nos agrupamentos juvenis que fazem parte.
  • 33. 33 É como se apesar de serem necessários como referenciais, os adultos devam ser negados enquanto referência, um paradoxo já levantado por Calligaris (2000), citado anteriormente. Em nenhum outro segmento social o vazio de referentes de autoridade, da lei tem efeito tão direto quanto na vivência juvenil. A ausência de valores sociais balizados por uma ideia de consenso, de constituição de referentes capazes de forjar identidades coletivas, impulsiona jovens de diferentes cidades do mundo às práticas de violência. A condição de pobreza, o sentimento de exclusão, são experiências dolorosas e, embora atuem como anti-referentes, mobilizam a formação de turmas. Na vivência das gangues os anti-referentes positivam-se e induzem um amplo jogo de representações e instituições (DIÓGENES, 1008, p. 163). A presença dos referenciais entre os próprios jovens leva a condutas compartilhadas, sem uma posição reflexiva diante dessa postura. Criam-se cópias dos referenciais, seja através das condutas, seja através de estilos, de estética, de gírias e comportamentos frente a situações atípicas ou fora de controle. Por isso, grande parte dos jovens reproduz fielmente as características apresentadas pelos grupos de identificação escolhidos para o pertencimento. No caso dos bondes, percebe-se claramente que as características básicas dos grupos foram herdadas de outros referenciais, a começar pela própria nomenclatura dos agrupamentos, uma clara referência ao funk carioca, que influenciou também a formação das galeras na capital cearense, conforme citado por Diógenes (2008). Outro aspecto importante de como os bondes possuem referenciais predecessores é o tipo de música escutado pelos jovens (no capítulo três há um exemplo), chamado por eles de stronda que faz uma mistura entre a batida do funk e as letras faladas do rap. Além de serem conhecidos como bondes, esses agrupamentos juvenis se auto-denominam “equipes” ou “famílias”, uma outra forma de distinção da nomenclatura “galeras”. A explicação para o uso desses dois nomes não é muito clara e os próprios jovens não sabem se existe alguma diferença. Entretanto, nenhum dos agrupamentos observados no site de redes sociais Orkut apresentou referências a “galeras” ou a “gangues”, possivelmente como forma de proteção e de não associação com as ações violentas realizadas no Rio de Janeiro e em Fortaleza pesquisadas por Diógenes (2008). O significado do uso dos termos “família” e “equipe” – muitas vezes com grafias diferentes da norma culta da língua portuguesa (ekipe, ekuipe, f4milia, etc.) – permite afirmar que esses agrupamentos juvenis atendem à necessidade dos jovens de pertencer a um grupo de indivíduos que compartilhem as mesmas necessidades e expectativas da vida. É válido
  • 34. 34 comentar que o termo família seja o mais carregado numa perspectiva semiótica, pois possibilita inferir que os jovens buscam nos bondes uma alternativa para o relacionamento parental, ampliando e estendendo o conceito do que lhes é familiar ou que compõe seu círculo social mais próximo. Os termos citados por Diógenes não aparecerem como referências diretas dos bondes, porém os aglomerados adotam práticas similares, como as formas de expressão artística e cultural. Ainda que haja a negação de ser uma “galera” ou uma “gangue”, isso não implica dizer que os bondes não utilizem a violência como forma de expressão social. Os exemplos de ações violentas por integrantes desse tipo de agrupamento juvenil puderam ser observados em diversos Estados brasileiros como Rio Grande do Sul, São Paulo e Bahia – as notícias e as referências acerca desse assunto serão citadas no próximo capítulo. 3.5 INTERNET E AMPLIAÇÕES DOS DESLOCAMENTOS NO ESPAÇO URBANO Para driblar essa enorme quantidade de barreiras a que são submetidos, os jovens buscam outras dinâmicas para a manutenção da necessidade da formação de grupos para a consolidação da identidade desejada. Os atuais jovens têm um suporte diferenciado das gerações anteriores, com a evolução do sistema de comunicações e o aporte da internet como uma nova tecnologia para comunicação em larga escala e também instantânea. “A atual geração de crianças e jovens é a primeira que foi educada em uma sociedade digital: por isso eu a chamo de geração net” (TAPSCOTT, 2000 citado por FEIXA In COSTA E SILVA, 2006 p. 86). A geração net ou “geração @”5 expressa diversas tendências, entre elas o acesso generalizado às tecnologias de informação (ainda que de maneira disforme), a erosão das fronteiras tradicionais de sexo e gênero e o processo de globalização da cultura. A “geração @” oferece a alternativa de analisar a juventude através de um elemento comum aos diferentes contextos sócio-econômicos e até mesmo culturais. Essa geração, que convive desde a infância com a internet, instrumentaliza-a como alternativa de sociabilidade, aliada a convivência no ambiente restrito do próprio quarto – os dos ambientes escolhidos pelos pais – e a chance de expandir os horizontes de expectativas, ainda que seja uma geração marcada 5 FEIXA, 2006.
  • 35. 35 pelos medos, “em destaque o „medo da morte‟ e o „medo do futuro‟” (NOVAES In ALMEIDA E EUGENIO, 2006). O ambiente virtual passa a ser uma fronteira de convivência que faz parte do dia a dia de cada adolescente ou jovem. Ao receber a permissão dos pais para participar de uma comunidade sem limitações físicas, o jovem utiliza ambientes sintéticos, navegáveis espacialmente através de um avatar e mediados por computador (CASTRONOVA, 2006 In RIBEIRO E FALCÃO, 2009). As fronteiras físicas, as barreiras espaciais impostas pela violência, pela sociedade, pelos próprios pais, são então quebradas pelo surgimento de um ambiente novo e sem limitações – pelo menos é dessa forma que a maioria dos adolescentes encara a internet. Nesse ambiente, distante de recomendações parentais em muitos casos, surge uma nova e diferente porta para a sociabilidade. É válida a lembrança de que as diferenças educacionais entre as gerações é um fator determinante para que haja o distanciamento entre elas. Parte dos jovens com acesso à internet e que participam de agrupamentos juvenis como os bondes são oriundos de classes sociais menos favorecidas economicamente, mas ainda assim, tiveram um tempo maior de acesso à escola e à educação formal que os próprios pais. Esses pais fazem parte do que a imprensa hoje chama de nova classe média, como indicado na matéria “Nova classe média muda mercados”, publicada pelo portal G1.com.br.6 Essa “nova” classe social permitirá um maior acesso dos jovens a bens de consumo, com o computador aparecendo entre os principais objetos de desejo. Há ainda a presença marcante das lan houses nas regiões das periferias das grandes cidades, que possibilitam que a população sem acesso ao computador e à internet dentro de casa possa ter acesso às ferramentas e aos suportes disponíveis na grande rede. O fenômeno dos telecentros comunitários no Rio de Janeiro foi estudado por Sorj (2003), mas os dados carecem de atualização, pois é de conhecimento público a importância das lan houses no processo de socialização e de democratização do acesso à computadores e à internet – sem levar em consideração a qualidade desse uso. Algumas informações levantadas pelo pesquisador, entretanto, ainda podem ser utilizadas como parâmetros, como, por exemplo, o acesso à internet em telecentros que possuem uma melhor estrutura tecnológica para conexão e ampliam a qualidade do acesso – mesmo que com a cobrança por tempo de acesso. 6 Disponível em http://g1.globo.com/Noticias/Economia_Negocios/0,,AA1578361-9356,00- NOVA+CLASSE+MEDIA+MUDA+MERCADOS.html, acesso em 07 mai. 2010.
  • 36. 36 Em conversas informais com os integrantes dos bondes juvenis, é possível perceber que um grande número deles já possui acesso à internet dentro da própria residência. Após o aumento da renda de muitas famílias consideradas de baixa renda, foi possível a aquisição de um computador, compartilhado pelos integrantes da família, e que, na visão de muitos populares, será responsável pela inserção no mercado de trabalho. Noutras palavras, à proporção em que o sistema produtivo se informatiza, a noção de que é necessário dominar este instrumento para assegurar maiores chances de trabalho se “infiltra” rapidamente entre os diversos setores sociais, pois o uso de informática passa a ser visto como condição de obtenção de trabalho e de sucesso escolar (SORJ, 2003, p.6). Essa noção de que o acesso à informática aumenta as chances de acesso ao mercado de trabalho produz a necessidade de formação mínima que seja para a utilização dessas ferramentas. A formação indicada não é a educação formal, mas o aprendizado de algumas informações básicas sobre a utilização do computador, que, segundo Sorj, foi permitida por um grande número de ONGs, que, apesar de não conseguirem atingir um número grande da população – políticas públicas teriam maior alcance -, conseguiram ampliar significativamente o acesso aos computadores e à internet nas comunidades em que estão inseridas – os dados da pesquisa de Sorj são relativos ao Rio de Janeiro, porém é possível traçar paralelos devido às semelhanças sócio-econômicas entre as comunidades de baixa renda de todo o Brasil. A qualidade do uso que esses indivíduos fazem ainda não pode ser verificada por estudos acadêmicos sobre o assunto. A própria dinâmica de transformação dos usos – reflexo da velocidade com que novas tecnologias e novos suportes acabam surgindo – impede que a academia consiga absorver essas transformações. O que se pode afirmar é através de análises menos profundas de nichos sociais ou mesmo através da repercussão na imprensa de fenômenos de popularização da internet entre as camadas mais pobres – as lan houses, por exemplo, tornaram-se alvo de uma série de reportagens produzida para o programa Fantástico da TV Globo. A simples existência desses fenômenos indica que não se pode subjugá-los enquanto elementos da realidade de famílias pobres. Um número significativo de integrantes de bondes quando perguntado sobre quais os principais usos que fazem da internet cita os sites de rede sociais e as ferramentas de comunicação instantânea como os principais objetivos ao se conectarem à internet. O mais comum entre os sites de redes sociais é o Orkut, que agrega 50,60% de seus usuários no Brasil
  • 37. 37 e entre as ferramentas de comunicação instantânea destaca-se o MSN Messenger, programa de comunicação instantânea que faz parte do pacote do Microsoft Windows – principal plataforma de acesso aos computadores utilizados pelas populações de baixa renda e também nas lan houses e telecentros.7 Tais ferramentas serão fundamentais para a expansão e a quebra das fronteiras de sociabilidade para os jovens. Eles irão apropriar-se dessas ferramentas e as utilizarão como um instrumento para atingir objetivos tidos como básicos por seus pares: busca por amigos, namoro e contatos com outros jovens. Antes de entrar em detalhes sobre os usos dessas ferramentas é necessário apresentar algumas informações sobre os sites de redes sociais que, na verdade, são suportes para a integração, mas não o fazem sem a instrumentalização pelos indivíduos. Embora os sites de redes sociais atuem como suporte para interações que constituirão as redes sociais, eles não são, por si, redes sociais. Eles podem apresentá-las, auxiliar a percebê-las, mas é importante salientar que são, em si, apenas sistemas. São os atores sociais que utilizam essas redes, que constituem essas redes (RECUERO, 2009, p. 104). Recuero faz ainda a distinção entre sites de redes sociais propriamente ditos como Orkut e Facebook e sites de redes sociais apropriados, que não necessariamente tinham esse fim quando foram criados. A definição de sites de redes sociais indica que é um espaço virtual em que os indivíduos necessitam personificar um avatar ou um perfil e, a partir desse perfil, interagir com outros membros da mesma rede social, seja através da formação de laços fracos – adicionar como amigo -, seja através da participação em comunidades e em discussões sobre os assuntos compartilhados – participação em debates e fóruns existentes em comunidades virtuais. Alguns sites, entretanto, não permitiam inicialmente a formação de um perfil, porém o uso constante e a instrumentalização dos usuários permitiram que fossem considerados como redes sociais apropriadas. Como exemplo, Recuero cita os fotologs, que foram usados por grande parte da população com acesso à internet principalmente entre 2004 e 2007 e que se transformaram em grandes redes sociais. Ao instrumentalizar uma ferramenta disponível na internet como uma rede social, os jovens ganham um novo espaço de sociabilidade e podem exercer suas funções de interação social e expandir fronteiras. Um ator determinado, por exemplo, poderia assim usar o seu perfil no Orkut para manter contato com amigos distantes, usar o GoogleTalk para conversar trivialidades com os amigos mais próximos e usar seu weblog para discutir 7 Disponível em www.orkut.com. Acesso em 10 mai. 2010.